São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 1996
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Lições da experiência chilena

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Que a economia chilena despontou como uma nova estrela, capaz de crescer rápida e sustentadamente em condições de relativa estabilidade (inflação anual inferior a 10%), é amplamente sabido.
Vários aspectos dessa singular experiência permanecem, contudo, pouco conhecidos, sendo que alguns deles poderiam, seguramente, enriquecer o debate que começa a se instalar no Brasil acerca das relações entre estabilização e crescimento.
Nas observações que seguem, utilizo livremente o excelente texto apresentado por Patricio Meller no seminário promovido pela Cepal e pelo Ipea por ocasião da comemoração dos dois anos de Plano Real.
A ditadura Pinochet deixou uma bomba acesa nas mãos dos democratas que chegavam ao poder em março de 1990. Numa palavra, a inflação anual saltou de 13%, no primeiro trimestre (anualizado) de 1989, para 24%, no primeiro trimestre (sempre anualizado) de 1990, pondo em risco a estabilização conquistada mediante um longo e doloroso processo.
Cabia, pois, aos novos dirigentes recuperar o controle da situação -em condições inegavelmente adversas, já que as demandas sociais liberadas pela redemocratização eram, em princípio, imensas.
Contra as expectativas de muitos, o novo regime revelou-se muitíssimo eficaz. Na transição de 1991 para 1992, o surto inflacionário já se encontrava sob controle.
Para tanto, foi necessário aplicar severas medidas de contenção -indispensáveis à (re)conquista da confiança dos agentes econômicos. O compromisso do novo regime com a estabilidade e o equilíbrio orçamentário, em particular, tornou-se ostensivo.
A razão fundamental dessa insuspeitada severidade consiste em que experiências prolongadas de alta inflação predispõem as pessoas à sobre-reação e à especulação. Como disse um membro da equipe que controlou a inflação em Israel, "as expectativas inflacionárias mantêm-se (daí por diante) a um milímetro da superfície".
Consequentemente (e voltando ao Chile), o tão ansiado aumento do gasto social foi condicionado ao aumento da arrecadação, procedente da reforma tributária. E ia, com isso, ficando claro que a estabilidade não tinha mais dono. Passara a ser entendida como um objetivo permanente e um bem público.
Recuperado já na transição de 1991 para 1992 o controle sobre a inflação, um dos aspectos que mais chamam a atenção na experiência chilena consiste na conversão do ímpeto expansivo inicial em vigorosa e sustentada rota de crescimento.
Parece haver contribuído para esse êxito a adoção de critérios segundo os quais a política de juros é acionada a partir da observação do comportamento da economia real -não sendo necessária a sua tradução em aceleração dos preços.
Na prática, isso significa que a economia passa a ser refreada quando é excedido o seu crescimento potencial (da ordem de 6,5% ao ano) ou quando se percebe que a demanda está crescendo algo como quatro pontos mais rápido que o produto.
A intenção consiste tanto em manter o crescimento da economia colado ao respectivo potencial quanto em impedir que, agindo-se retardatariamente (ou seja, quando a pressão da demanda já estiver se traduzindo em alta de preços), a economia tenha de ser submetida a freadas bruscas.
A mais imediata consequência disso consiste, em outras palavras, na desnecessidade do deletério regime de "stop and go" a que foi tão duramente submetida a economia brasileira de 94 para 95.
Não obstante o fato de que a política econômica chilena tenha se empenhado -com relativo sucesso- em impedir a apreciação cambial, esta tem se verificado ao longo dos anos 90.
E isso não porque a valorização cambial tenda a ocorrer quando ocorrem a estabilização e a abertura -que, no caso chileno, datam de cerca de 10 a 20 anos atrás-, mas sim como decorrência da excepcional conjuntura de sobreliquidez internacional em que o mundo se encontra mergulhado desde 90.
Observa-se, nesse sentido, que as condições imperantes na economia internacional operam no sentido de aproximar a experiência chilena da família de planos de estabilização fundados na apreciação cambial.
A diferença chilena consiste em que os gestores da política econômica estão conscientes de que o câmbio alto (não apreciado) e estável é importante para que as exportações alcancem um ritmo de expansão que permita o crescimento rápido e sustentado da economia.

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