São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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As razões de FHC

CELSO PINTO

Uma questão intrigante na aprovação da CPMF, o imposto do cheque, é entender as razões do presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi a primeira vez, desde que assumiu o cargo de ministro da Fazenda, no governo passado, que ele agiu contra a opinião unânime de sua equipe econômica e a lógica básica de seu plano de estabilização.
Pouco antes de o imposto ser aprovado no Congresso, o presidente, numa conversa com os ministros Pedro Malan, da Fazenda, Antônio Kandir, do Planejamento, e Francisco Dornelles, da Indústria, Comércio e Turismo, insistiu que eles não deveriam se preocupar, porque a CPMF não iria passar. Um dos ministros presentes à conversa dá essa versão.
Não havia um único assessor na área econômica do governo que fosse favorável ao imposto do dr. Jatene. E um deles, o ministro Kandir, tinha pronta, na Câmara, uma alternativa à CPMF infinitas vezes melhor: eliminaria o impacto em cascata que o imposto do cheque tem sobre a produção, reuniria todas as contribuições num único formato, e ainda daria os recursos extras que a saúde desejava.
Se o presidente estivesse apenas fazendo um jogo de cena, bastaria ter deixado o Congresso rejeitar a CPMF e alegar que, a despeito de sua vontade, se via obrigado a acatar a vontade dos parlamentares. Não foi, contudo, o que se viu.
O presidente engajou-se, de fato, num grande esforço político para aprovar a CPMF. É razoável imaginar que, se tivesse dedicado a mesma vontade para aprovar o projeto de Kandir, provavelmente teria igual sucesso, sem ter que ferir o mínimo de racionalidade econômica. Até porque o então deputado Kandir elaborou seu projeto em comum acordo com o Ministério da Fazenda.
Teria FHC sido movido pelo desejo de ser visto como um presidente preocupado com o social?
Pode ser, mas imaginar que todos aceitariam a CPMF como única alternativa para enfrentar a questão da saúde é subestimar a inteligência geral. Um exemplo é a carta enviada à coluna pelo padre Virgílio Leite Uchôa, subsecretário-geral da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) para assuntos econômicos e financeiros.
Padre Uchôa concorda com as críticas feitas pelo colunista à CPMF e diz que "quando se passarem a discutir as prioridades nacionais, com total transparência e objetividade nas informações, não se continuará onerando a população sofrida e sacrificada do nosso país".
Como a CPMF foi longamente discutida, certamente o presidente teve tempo de ouvir todos os argumentos contrários, de sua própria assessoria. Desde os tempos em que era ministro da Fazenda, FHC mostrou seu gosto em cultivar divergências de opinião entre seus assessores econômicos, uma forma de poder exercer, constantemente, seu poder de árbitro final -e, portanto, de ministro da Economia em última instância.
Jamais, contudo, esteve contra todos, ou decidiu contra a lógica do plano de estabilização. Quando a maioria de seus assessores era contrária à adoção do Plano Real em 94, o presidente tinha o apoio do atual diretor do Banco Central, Gustavo Franco. Quando o ex-ministro do Planejamento José Serra reclamava dos juros altos e do câmbio defasado, FHC tinha o apoio de Malan e do BC.
E quando o ex-presidente Itamar Franco quis, no dia em que deveria assinar o Plano Real, teoricamente consensual, introduzir um congelamento de preços e correções em salários do setor público, FHC preferiu ameaçar sair do governo a aceitar uma solução conciliatória que seria um desastre para a lógica do Real.
Desta vez, no entanto, o presidente decidiu ir contra a maré. Na falta de outro argumento convincente, sobra apenas uma explicação política rasteira. Sem a CPMF, o dr. Jatene deixaria o governo e iria falar bem do PAS na campanha de Paulo Maluf-Celso Pitta em São Paulo.
Se essa é a explicação, é um mau sinal. Se a eleição paulistana vale esse tropeço, quanto valerá o direito de ser reeleito à presidência da República?

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