São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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Federação ameaçada

OSIRIS LOPES FILHO

Há uma concepção equivocada na tecnocracia de Brasília, de que a União é superior aos Estados e aos municípios, pobres componentes da nossa periferia estatal.
É uma idéia literalmente imperial. Encerra uma visão organizatória do Estado brasileiro imperialista e antifederativa. Paralelamente, busca uma volta à forma de organização unitária do império.
O projeto de reforma constitucional tributária segue essa orientação. Recentemente ganhou um pequeno empurrão na sua dificultosa tramitação. O relator deputado Mussa Demis finalmente apresentou o seu relatório. Ele viabiliza alguns aperfeiçoamentos. Mas há um ponto central, básico às ambições imperialistas da União, que restou incólume.
Trata-se da criação ambivalente do novo ICMS, federal e estadual, a um só tempo. A aparente simplificação decorrente da extinção do IPI, e da criação do novo ICMS, evidencia o mais duro golpe aplicado à estrutura federativa do país, nos últimos tempos.
E mostra que o presidente FHC tem cuspido nos manjares que o Congresso lhe oferece. Com efeito, o presidente não poupa o Congresso de críticas, pela demora em viabilizar as suas ordens, melhor dizendo, numa linguagem de força, os seus ucasses.
A Federação constitui cláusula pétrea, segundo o art. 60, 4º, inciso I da C.F. Não obstante a proibição de se atentar contra a Federação, vai prosseguindo, penosamente é verdade, a sua mais grave amputação. Pelo projeto, toda a legislação do novo ICMS será feita pela União. Aos Estados-membros e ao Distrito Federal incumbirá apenas fiscalizar e arrecadar o seu ICMS. Não poderão legislar.
Já a União, abdicando do IPI, ganha com o seu ICMS vários campos de incidência: os produtos dos reinos animal, vegetal, mineral, combustíveis, eletricidade, transporte e comunicações, além de todas as mercadorias do país. Como se tem dito, nem a ditadura militar ousou acumular tanto poder tributário.
E o povo, como fica nisso? Como sempre, vai pagar a conta. Prevê-se a desoneração do ICMS dos produtos primários e semi-elaborados, para facilitar as suas exportações. Linda essa tese liberatória. Só que o montante desonerado na exportação vai ser transformado em elevação da carga tributária interna.
É preciso que as autoridades entendam que o beneficiário da redução do "custo Brasil" tem de ser o povo brasileiro, e não apenas um setor da nossa economia. Chega de se legislar contra o povo brasileiro.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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