São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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'Pior herdeiro' do clã Rothschild se enforca

Aparentemente Amschel não resistiu a um surto de autocrítica

IGOR GIELOW
DE LONDRES

Após acumular prejuízos, Amschel se mata em Paris

O banqueiro britânico Amschel Rothschild, 41, foi achado morto em Paris na segunda-feira passada. Enforcou-se na suíte 401 do chique Hotel Bristol, foi revelado após dissimulações familiares.
A notícia parece banal, mas esconde um enredo digno de dramalhões hollywoodianos ou, com sorte, dos dramas refinados e fortes do italiano Luchino Visconti.
Pense no nome Rothschild. Provavelmente, virá à cabeça uma longa dinastia de banqueiros, envolvida em lances de política internacional regados pelas melhores adegas do mundo.
Como num drama barato de Hollywood, pense num dos filhos mais novos da família. Riquíssimo e cotadíssimo para herdar a liderança da dinastia até o ano 2000. Só que, jovem e tímido, ele sofre todo o tipo de pressão possível.
Enquanto todos os antecessores não tinham graduação em locais diferentes de Oxford e Cambridge, se contentou com uma ex-escola técnica, a City University.
Administrador formado, ele fugiu para o campo para tocar uma fazenda da família em Suffolk.
Porém, alguns anos depois, toda a pressão familiar veio à tona, e Amschel Rothschild foi colocado na presidência de uma das empresas do grupo financeiro, a Rothschild Asset Management.
Como no drama barato, as finanças da empresa foram por água abaixo. A pressão cresceu; Amschel, deprimido e com um casamento atribulado, se matou -deixando mulher e três filhos.
Drama
Aí entra o componente que pode elevar o drama à categoria de filmável pelo grande conde Visconti (1906-76), que descreveu a banalidade e as intrigas dos clãs europeus em filmes como "O Leopardo" e "Os Deuses Malditos".
Amschel herdou o prenome de Mayer Amschel von Rothschild (1744-1812). De uma família de Frankfurt, na Alemanha, Mayer era obrigado a viver no gueto judeu da cidade com uma estrela de Davi amarela em seus casacos.
Começou a trabalhar com comércio de roupas, moedas e commodities -numa época em que as últimas sequer tinham esse nome.
Mandou seus filhos para diversas cidades européias: Nathan foi para Londres, Jakob para Paris, Salomon para Viena, Kalmann para Nápoles. Amschel ficou em Frankfurt.
Mayer fundou, assim, o banco mercantil N.M. Rothschild dois anos antes de sua morte.
O grupo, baseado em Londres, virou agência de crédito para príncipes e nobres em apuros. O filho de Nathan (1777-1836), Lionel Nathan (1808-1879), virou o primeiro parlamentar britânico judeu.
Um de seus filhos, Nathan Mayer (1840-1915), recebeu o título de barão, que passou para Lionel Walter (1868-1937), Victor (1910-1990) e Jacob (1936).
Durante as guerras napoleônicas, o banco Rothschild ajudou tropas britânicas acossadas em Portugal. As negociações sobre o canal de Suez e diversas operações durante as duas guerras mundiais alimentaram a fama do banco.
Amschel, morto na semana passada, era filho de Victor e meio-irmão de Jacob. Sua mãe, lady Teresa Rothschild, morreu em maio, aos 80 anos -uma "scholar", além de ter sido agente secreta durante a Segunda Guerra Mundial junto ao marido.
Com todo o peso da tradição, aparentemente Amschel não resistiu a um surto de autocrítica. A empresa que capitaneava, depois de um lucro de US$ 9 milhões em 1994, teve prejuízo de US$ 750 mil no ano passado.
O grupo Rothschild, que hoje atua mais na área de investimento corporativo, vive de glórias passadas. Hoje é o 14º do ranking de bancos mercantis no país, com "modestos" US$ 22 milhões de lucro no ano passado.
Agora, comandado pelo primo de segundo grau de Amschel, sir Evelyn, o banco enfrenta o fantasma de perder o seu lugar privilegiado no próximo século.
Como em qualquer drama deste quilate, há uma rivalidade muito forte entre os primos de segundo grau sir Evelyn e o meio-irmão de Amschel, barão Jacob.
Em 1980, o barão deixou os negócios da famílias por incompatibilidade com sir Evelyn.
Porém, se deu bem em negócios na City londrina (centro financeiro) e hoje é considerado um dos maiores gênios do mercado financeiro europeu.
Em princípio, sir Evelyn deve passar o bastão para seu filho David, hoje com 18 anos e chefe do ramo francês do grupo.
Porém, o filho de seu desafeto Jacob, Nethaniel, 25, é considerado o mais brilhante herdeiro da tradição Rothschild.
Analistas de mercado, porém, vêem um final anos 90 para o caso: a falência do sistema familiar de administração bancária e a incorporação por algum grupo profissional alemão ou holandês.
Nada impossível, num mercado que viu o Barings da família real quebrar. Mas completamente sem graça, para drama de tal porte histórico.

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