São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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Res sacra

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não acompanhei devidamente o episódio teatral que terminou na liturgia sagrada de um deus oferecido à platéia. As folhas estamparam fotos e comentários e como sou impenitente admirador do Zé Celso (nos conhecemos em Cuba, pelos idos de 68), folguei deveras com o espetáculo que não presenciei. Zé Celso tem razão: o homem tem fome do sagrado. Isso vem lá das cavernas.
Evidente que nas cavernas os deuses não davam sopa: precisavam ser inventados e, só então, comungados. Bem verdade que tivemos os caetés, que também devoraram num banquete lúdico o bispo Sardinha. Para o estágio de civilização da época, o sagrado se limitava à mecanização do culto oficial do cristianismo.
Entre o bispo Sardinha e o Caetano Veloso sou mais o Caetano. Não o comi -o que é pena, e talvez me falte oportunidade. Pior: talvez me falte fome. Se a questão se limitasse a cardápio, preferiria comer a Xuxa, a Cláudia Raia, a Demi Moore, até mesmo a Adriana Galisteu -que o Ayrton Senna me perdoe o atrevimento.
Fiquemos na coisa sagrada -"res sacra"- que foi e é a proposta básica do Zé Celso, não por modismo ou surfismo cultural, mas coisa dele, profunda. Ele descobriu o óbvio: o prazer é sagrado. Santa Teresa, doutora da igreja, poeta e mística, virou logotipo do orgasmo. A culpa não chegou a ser do Zé Celso, mas do napolitano Gian Lorenzo Bernini.
Nos dias de hoje, qualquer matéria em segundo caderno, qualquer livro sobre o orgasmo estampa, invariavelmente, o belo mármore que Bernini deixou e que pode ser apreciado numa sombria igreja do largo de Santa Susanna, em Roma. O nexo entre o sagrado e o prazer teve em santa Teresa, vista por Bernini, a sua expressão mais nítida.
Zé Celso dispensou o mármore. Tampouco apelou para uma espanhola exaltada. Preferiu um baiano exultoso. Decididamente, sou mais e sempre o Zé Celso.

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