São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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Limpeza também é cultura

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Lembro-me da São Paulo bonita. Bem diferente do que é hoje. Era uma cidade mais pobre, porém bem mais graciosa.
Sou do tempo das árvores frondosas. Da tranquilidade das praças. Das ruas varridas. Dos prédios bem pintados. Das escolas conservadas. E dos cinemas confortáveis. Coisa de Primeiro Mundo.
Hoje, vivo em outra cidade. Um lugar bruto. Inseguro. E, sobretudo, sujo.
A imundice penetrou aos poucos. Mas foi depois dos anos 80 que o emporcalhamento se generalizou, sendo, atualmente, dominado pela doentia mania de grafitar pontes, prédios e paredes.
Os grafiteiros têm uma preferência especial por sujar o que está limpo. Trabalho junto ao Teatro Municipal e ao antigo prédio da Light. Este se transformou num verdadeiro pardieiro -o que também ocorre com escolas, hospitais e prédios públicos e privados. Ninguém mais escapa à sanha dos "porcolinos".
Não me conformo com tamanha imundice. Limpeza não é questão de dinheiro. É questão de educação. Mesmo porque, na maior parte das vezes, as mensagens dos grafiteiros são tão nojentas quanto a sujeira que produzem.
É triste verificar que junto com a sujeira estão as crianças. Nestes dias de frio, os cobertores impedem saber quantas são. Elas vão se amontoando nas esquinas, debaixo de marquises e em todo lugar que oferece um pouco de calor físico, uma vez que elas não dispõem de nenhum calor humano.
É claro que o problema da criança é mais complexo do que o da sujeira. Mas, em São Paulo, os dois se confundem.
Será que não há uma autoridade que se toque com esses problemas? O que fazem as centenas de órgãos públicos originalmente criados para cuidar do social?
Essa pergunta se torna oportuna no instante em que os políticos se preparam para buscar nova safra de votos. Beijar crianças é o fraco de todos nas aparições da TV.
Mas, até o momento, não vi uma só plataforma de candidato que se proponha a limpar e conservar a cidade. E muito menos que se proponha a tirar as crianças das ruas de São Paulo, dizendo e provando como o fará. Ah, que saudade daquela cidade bonita, limpinha e asseada...
São Paulo precisa voltar ao mundo civilizado. Sim, porque a sujeira, os grafites e as crianças jogadas nas ruas denotam mais o domínio da ignorância do que da civilização.
Aos governantes cabe a responsabilidade de garantir a limpeza da cidade e, por meio disso, ajudar a educar os cidadãos. Isso é perfeitamente viável.
O metrô deu um bom exemplo. Desde o primeiro dia, a Companhia do Metrô implantou a mais absoluta limpeza dos vagões. O povo aprendeu rápido. E ninguém suja.
Como se vê, limpeza também é cultura... e boa administração.

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