São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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Personagens neuróticos estressam telespectador de "Vira Lata"

ELAINE GUERINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os personagens centrais de "Vira Lata", a novela das sete da Globo, renderiam longas sessões de terapia se passassem pelo divã do consultório de um analista.
Os protagonistas do roteiro de Carlos Lombardi vivem em ritmo acelerado, tendem a exagerar suas emoções e estão sempre prestes a ter um ataque de nervos -o que pode estressar até o telespectador.
Quatro psicólogos ouvidos pela Folha confirmaram que os personagens reagem de maneira irreal e que a estrutura da novela -uma sucessão de momentos tensos- eleva o nível de ansiedade de quem assiste.
"Os temas podem ser absurdos. Mas, para que o telespectador se identifique com a novela, é preciso que a trama dos afetos seja verossímil. Só que, em 'Vira Lata', nenhum dos personagens reage como uma pessoa normal", afirma a psicanalista Ana Veronica Mautner, 60.
Em termos de afetividade, a psicanalista diz que personagens como Bráulio, Helena, Valquíria, Fidel e Lênin não chegaram à fase da adolescência. "Eles se comportam como se ainda tivessem 12 anos. São como crianças que se jogam na cama depois de uma briga."
Narcisismo
Bráulio Vianna, por exemplo, é um promotor público com características narcisistas e infantis. Frequentemente sem camisa, ele passa a maior parte do tempo implicando com os outros e correndo atrás da empregada.
"É um sujeito completamente neurótico. Não busquei inspiração em ninguém porque não acho que exista uma pessoa assim. Nem bicho é daquele jeito", diz o ator Murilo Benício, 24, que faz o papel.
A temática psicológica e o ritmo acelerado são características do autor Carlos Lombardi -que também escreveu "Quatro por Quatro". "Procuro explorar os conflitos internos dos personagens de uma maneira exagerada. Minha intenção é destacar o ridículo de cada um", conta.
Segundo Lombardi, a trama se desenrola a partir dos problemas de três personagens: o sentimento de culpa de Helena (Andréa Beltrão), as crises de auto-estima de Fidel (Marcelo Novaes) e a dificuldade de amadurecimento de Bráulio.
"O problema é que o texto só trabalha com os sentimentos em estado cru, quase primitivo. Os personagens estão sempre prestes a explodir", diz Elisa Paraíba Campos Ribeiro, mestre e doutora pelo Departamento de Psicologia Clínica da USP.
Estresse
Boa parte das situações apresentadas na novela refletem um estado permanente de estresse. É difícil assistir a um capítulo de "Vira Lata" e não acompanhar cenas em que os personagens trombam uns com outros, batem a porta, gritam, falam sozinhos e andam correndo de um lado para outro.
"Quando a novela é ambientada em uma grande cidade, é natural que os tipos sofram as consequências da vida urbana. Mas, nesse caso, a dinâmica da trama é tão tensa que chega a incomodar", afirma Antonio Carlos Pereira, 45, professor da Faculdade de Psicologia da PUC-SP.
Outro aspecto levantado é a fragmentação das cenas. "Surge um momento de tensão, que acaba sendo rapidamente interrompido e substituído por outro. Isso cria uma ansiedade no telespectador", diz Carlos Eduardo Carvalho Freire, 45, professor de teoria e técnica psicoterápica do adolescente na PUC-SP.
O autor diz que prefere os cortes rápidos a escrever cenas longas e monótonas. "Não existe coisa mais chata que contar a história de uma família normal em um ritmo normal. Meu estilo é mesmo mais acelerado", afirma Lombardi.
A fórmula de "Vira Lata" tenta conquistar o público-alvo do horário das sete -formado basicamente por crianças com mais de 7 anos e adolescentes, além das donas-de-casa e idosos.
A novela atinge atualmente a média de 37 pontos de audiência (cerca de 3,7 milhões de telespectadores na Grande São Paulo).

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