São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 1996
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Abertura é necessidade para o Brasil, diz Marinho

CLAUDIA VARELLA; FÁBIO ZANINI
DA AGÊNCIA FOLHA, NO ABCD

O presidente eleito do Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD, Luiz Marinho, 37, toma posse nesta sexta, dia 19, disposto a implantar uma nova estratégia nas negociações com os empresários. Primeiro o emprego, depois os salários.
À frente de um dos três mais importantes sindicatos do país e o principal da CUT (Central Única dos Trabalhadores), ele tem ainda dois desafios: tentar reverter o índice de desemprego no ABCD e consolidar a unificação dos antigos sindicatos de São Bernardo do Campo e de Santo André.
Marinho terá um mandato de três anos. Ele substituirá Heiguiberto "Guiba" Navarro, 51.
Trabalhador rural até os 16 anos, Marinho é funcionário da Volkswagen, de São Bernardo (Grande São Paulo), desde 78. Em 84, entrou para a diretoria do sindicato como tesoureiro. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD é uma potência que representa 130 mil trabalhadores da região e tem orçamento anual de R$ 19,5 milhões (previsão para 96).
Há um ano, eram 145 mil os metalúrgicos no ABCD. Em meados da década passada, eram 200 mil.
"O desemprego está criando uma situação de intranquilidade, de pressão social, e pode ser um perigo daqui a alguns anos", diz Marinho. A seguir, os principais trechos da entrevista, feita na sede do sindicato, em São Bernardo.
*
Agência Folha - O sindicalismo brasileiro está preparado para encarar questões como a globalização da economia e o processo de abertura em vigor no Brasil?
Luiz Marinho - Não há como negar a globalização da economia. Temos que encarar essa realidade.
A abertura da economia era uma necessidade para o Brasil. Mas ela deveria ter sido feita de forma gradativa, planejada, pensada de forma estratégica.
Agência Folha - O sr. é favorável a uma legislação que facilite a vinda de multinacionais para o Brasil?
Marinho - Defendemos que a produção tem que ser no Brasil. Trabalhar para atrair capital é obrigação do Estado. O problema está na forma como a abertura foi feita, criando condições e facilidades para a entrada de importados -portanto, transferindo empregos do Brasil para outros países. As empresas estrangeiras podem vir, gerando emprego aqui.
Agência Folha - Essa posição de defesa da abertura econômica, inclusive com a vinda de multinacionais, é predominante no sindicalismo brasileiro?
Marinho - Há segmentos no movimento sindical que expressam opiniões minoritárias. A maior parte, porém, defende a vinda de investimentos. Agora, escancarar a economia é uma coisa negativa.
Agência Folha - O Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD é um dos mais importantes do país. Qual o canal de negociação com o governo federal?
Marinho - Temos acesso a vários ministérios. Agora, com a Presidência da República temos dificuldades.
Agência Folha - Qual sua opinião sobre a reforma trabalhista que o presidente Fernando Henrique Cardoso pretende mandar para o Congresso?
Marinho - Sou favorável ao fim da unicidade sindical e do imposto sindical. Quando Fernando Henrique pensa no fim da unicidade, ele está jogando todas as fichas para pulverizar ainda mais o movimento sindical. Pensamos em fortalecer o movimento, criando grandes sindicatos a partir das centrais.
Agência Folha - E o contrato temporário?
Marinho - O governo, ao propor o contrato temporário, cria uma situação na qual as empresas vão tirar grande proveito disso. Quem vai sair prejudicado é o trabalhador. O que nós admitimos é que, a partir das demandas das empresas, em vez de fazer hora extra, você faz um contrato por tempo determinado, com fiscalização do sindicato para que haja garantia de carteira assinada e de todos os encargos trabalhistas depositados.
Agência Folha - Como o sr. se define ideologicamente?
Marinho - Me considero um democrata e defendo as bandeiras socialistas. Uma administração pública tem que se preocupar com o conjunto da população.
Agência Folha - Mas é possível que isso aconteça em um ambiente capitalista?
Marinho - Acho que isso pode ser feito em uma economia de mercado. Se o Lula ganhasse as eleições, por exemplo, teria dificuldade em fazer um rompimento com o grande representante do capital, os Estados Unidos.
Agência Folha - Há dez anos, a CUT e o PT defendiam o socialismo abertamente. O que mudou?
Marinho - Continuam defendendo. A diferença é que não basta ficar falando que queremos o socialismo. Temos que mostrar para a população o que queremos fazer no dia seguinte. Senão, fica um discurso muito evasivo, abstrato.
Agência Folha - Qual o maior desafio da próxima gestão?
Marinho - É a questão do emprego. É um problema crucial. Se continuarmos diminuindo o número de empregos, estaremos apontando para a diminuição do mercado consumidor. Qual o sentido para tanta produtividade? Vender para quem? Acho que a alternativa seria a redução da jornada de trabalho.
Agência Folha - O sr. acha que o sindicalismo brasileiro vive um momento de declínio, pela queda do emprego formal?
Marinho - Na medida em que aumenta o emprego informal e diminuem os empregos nas empresas, você acaba tendo maior dificuldade de mobilização. Se a pessoa está insegura sobre perder ou não o emprego, tem dificuldade de reagir. O desemprego cria uma situação de intranquilidade, de pressão social, e pode ser um perigo daqui a alguns anos.
Agência Folha - Muitas empresas do ABCD têm deixado a região nos últimos anos. O sindicalismo daqui assusta os empresários?
Marinho - Não acredito. Tem empresários que fazem um discurso falso e falam que o responsável pela evasão é o sindicato. O que está acontecendo no ABCD acontece em todos os grandes centros.
Agência Folha - A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), apesar de criticar o atual nível de desemprego, não apoiou a greve geral de 21 de junho. Foi uma atitude incoerente?
Marinho - Faltou um pouco de coragem à Fiesp, que tem adotado posturas diferentes. Quando está numa sala fechada, é xingamento para o governo. Com os microfones ligados, eles passam a "puxar o saco" do governo.
Agência Folha - Mas eles organizaram uma manifestação de empresários em Brasília em maio...
Marinho - A Fiesp organizou aquela manifestação por pressão das bases empresariais, que não estão aguentando mais. Se fosse pela diretoria, não teria acontecido. Eles teriam ido num jatinho e falado com o presidente às escondidas, sem pressa, procurando fazer seus lobbies.
Agência Folha - Na greve, a força da CUT ficou mais evidente?
Marinho - Estamos evitando debater essa questão, porque não queremos acabar com a unidade das centrais sindicais (CUT, Força Sindical e CGT). Agora, não dá para negar que a CUT foi a grande responsável pela greve.
Agência Folha - O sr. acha que faltou empenho da Força Sindical?
Marinho - Eles conseguiram fazer o que eles conseguem, nada mais. A Força Sindical é uma central de gabinetes. É esse o seu perfil de atuação. Na organização de base, na expressão popular, a atuação deles não é muito expressiva.
Agência Folha - O que aconteceu para que o sindicato rachasse e houvesse o risco de ser dividido por um grupo de diretores dissidentes de Santo André e Mauá?
Marinho - Nos três últimos anos, houve certo abandono do sindicato em Santo André pelos dirigentes de lá. A divergência em Santo André sempre existiu; vinha antes da unificação (ocorrida em julho de 93). Foi uma falha nossa.

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