São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 1996
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Utopia do transporte individual

JACQUES DEMAJOROVIC; SILVIA F. MAC DOWELL

"Os habitantes de São Paulo têm o direito difuso de ter um ar de boa qualidade"
JACQUES DEMAJOROVIC e SILVIA F. MAC DOWELL
O rodízio de veículos em São Paulo tem gerado controvérsias, especialmente a partir do momento em que deixou de ser uma atividade voluntária para tornar-se uma imposição concreta aos cidadãos. As principais críticas enfatizam a restrição à liberdade de circulação dos proprietários de veículos, assegurada pelo pagamento do IPVA, a inclusão dos automóveis com catalisadores e a precariedade do transporte público. Essa última argumentação é, de fato, incontestável. As outras merecem algumas considerações.
A ênfase ao direito do cidadão de circular livremente com seus automóveis ignora questões jurídicas e econômicas vinculadas aos problemas coletivos gerados pelo uso dos veículos. Juridicamente, esse direito individual pode ser discutido, uma vez que conflita com os chamados interesses ou direitos difusos -definidos pela legislação como sendo os de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, como é o caso dos habitantes de São Paulo, expostos à poluição.
Esses têm o direito difuso de ter um ar de boa qualidade e por isso em tese poderiam contestar o direito individual dos usuários de carro de emitir poluentes. Na perspectiva econômica, a argumentação sobre transtornos individuais encobre os custos ambientais impostos à sociedade.
O custo do automóvel não se restringe apenas às despesas tradicionais (combustível, manutenção, depreciação, impostos etc.), provocando também custos externos não-computados pelos usuários ou proprietários. São considerados externos pois não são internalizados pelos seus geradores, mas sim distribuídos indiscriminadamente aos habitantes da cidade.
Tais custos podem ser estimados pelos gastos associados a internações, faltas ao trabalho, atendimentos ambulatoriais e até mortes ligadas aos problemas da poluição, sendo em geral mascarados nas estatísticas oficiais.
Em relação aos catalisadores, ainda que se reconheça a eficiência dessa tecnologia em diminuir a emissão "per veículo", a experiência internacional demonstra que esse benefício está sendo anulado pela poluição adicional decorrente da expansão da frota. Ou seja, além dos catalisadores, é essencial uma efetiva redução do número de veículos em circulação para atenuar os problemas.
Nesse contexto, é evidente que a política atual da Prefeitura de São Paulo, estimulando o transporte individual, não se sustenta no longo prazo. Oferecer mais vias de circulação sem alterar a atual estrutura de transportes coletivos gera tráfegos adicionais de veículos, saturando novas regiões da cidade.
Além disso não resolver os problemas preexistentes, os impactos ambientais ainda são agravados. Uma política para o "transporte sustentável" inclui a redução de vagas de estacionamento em áreas congestionadas, a restrição do acesso de veículos particulares ao centro da cidade.
O investimento maciço em transporte público e sistemas de tarifação viária. Nesse sentido, o maior mérito da iniciativa do rodízio é estimular o debate sobre os limites do modelo de transporte vigente e as responsabilidades e custos coletivos decorrentes.

Jacques Demajorovic, 33, é mestre em administração pública pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), de São Paulo, e doutorando em educação pela USP (Universidade de São Paulo).

Silvia F. Mac Dowell, 31, é mestre em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, e técnica da área de meio ambiente da Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo).

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