São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 1996 |
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A CPMF e os profetas do "se"
LUÍS NASSIF Sob o título "CPMF: abaixo a emoção", bravo colunista estabelece um curioso raciocínio para a discussão sobre esse imposto da saúde.Critica o tom emocional de quem alerta que a não-aprovação do imposto significaria a morte de milhares de pessoas por falta de atendimento médico. Como bom adepto do pensamento cartesiano, diz: "Isso é pura emoção. Uma pitada de razão ajudaria os paladinos da saúde pública a enxergar que, como dizem os estudantes de sociologia, não é bem assim". Os estudantes de sociologia devem ter capacidade de produzir algo mais criativo do que esse profundo "não é bem assim". Mas deixe-se para lá, e vamos à essência de seus argumentos. Como bom adepto do racionalismo ligeiro, a crítica à emoção parte do seguinte raciocínio: 1) A emoção atrapalha a racionalidade. 2) Logo, quem se despe da emoção torna-se automaticamente racional. Se fosse fácil assim, o maior pensador da Revolução Francesa teria sido o verdugo da guilhotina. O dom da racionalidade está acessível a quem dispõe de informações e raciocínios. Se a pessoa se despe da emoção, sem ganhar os demais atributos, torna-se apenas um irracional insensível -que não tem sobre seus colegas emocionais nem sequer o álibi da generosidade. Simplificações Adjetivação à parte, o que nosso Descartes teria a invocar em defesa da racionalidade? Que o leitor se dispa da emoção para analisar esse primor de idealização simplificada: 1) Se for mesmo aprovada em votação no segundo turno, a CPMF passará a vigorar em dezembro. 2) Uma ampla reforma tributária e fiscal, se votada neste semestre, começaria a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1997 e seria uma solução definitiva para a saúde pública. 3) Portanto, entre a CPMF e uma ampla reforma tributária existe uma defasagem de apenas um mês. Suponhamos que se concretizasse apenas um dos pontos ideais desse arauto da racionalidade: a aprovação da reforma tributária. O que ocorreria depois? A reforma proposta cria dois impostos de valor agregado; um estadual, outro federal. Sua implantação significaria mudar toda a sistemática atual de tributação. Haveria a necessidade de integrar organismos estaduais e federais, aparelhar a Receita e implantar sistemas integrados informatizados. Sem contar pendências que ainda não foram resolvidas -como o ressarcimento a Estados exportadores, que seriam punidos pela mudança na sistemática de cálculo dos tributos. Demonstrações Especialistas da área julgam que, mesmo depois de a reforma ser aprovada, o novo modelo não será implantado antes de um ano -ou seja, em 98. E não surtirá efeito (em termos de arrecadação) antes de dois anos -ou seja, em 99. Depois da derrota da reforma da Previdência, da dificuldade de aprovar a reforma administrativa e do fato de ingressarmos em um período eleitoral, nem sequer há a garantia de aprovar a reforma. E vem esse porta-voz da racionalidade tratar uma realidade complexa com dois ou três "se" e despejar ensinamentos para as pessoas que procuram alertar para um quadro iminente de calamidade pública! Para ser cartesiano, sofistique-se um pouco mais o raciocínio: 1) Demonstre como será possível garantir a aprovação da reforma tributária até o final do ano. 2) Aprovada a reforma, explique como será possível aumentar a arrecadação a partir de 1º de janeiro de 1997. 3) Finalmente, explique como ficará o atendimento de emergência nesse período. Feito isso, estará habilitado a participar de uma discussão verdadeiramente racional sobre a saúde -tendo ou não emoção. Texto Anterior: Divergências no Mercosul Próximo Texto: Cliente do Itamarati terá atendimento normal hoje Índice |
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