São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 1996
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Divergências no Mercosul

ADY RAUL DA SILVA

O fato de o Brasil ter estabelecido que o pagamento das importações de têxteis teria que ser feito no prazo máximo de 30 dias para todos os países provocou reação violenta do Uruguai, que foi acompanhado pela Argentina e Paraguai. Paraguai e Uruguai ameaçaram não assinar o acordo do Mercosul com o Chile, em junho, se o Brasil não isentasse os parceiros do Mercosul dessa exigência.
A razão de o Brasil estabelecer a medida acima mencionada -para produtos com os quais está tendo grandes prejuízos, com sua produção afetada drasticamente, criando situações de grave crise e desemprego, como é o caso do setor têxtil- é evitar uma concorrência desigual, motivada pelos elevados juros estabelecidos no país pelo seu plano de estabilização econômica e considerados essenciais.
A diferença entre os juros de curto prazo praticados no Brasil e na Argentina, segundo a revista "The Economist" de maio de 1996, era de 26,4% (Brasil) para 6,6% (Argentina). Somadas essas diferenças ao rendimento da aplicação do dinheiro, de 20,5%, chega-se ao valor de 46,9%, ou seja, uma vantagem (e um lucro) para o importador de 40,3%. Em junho de 1995, essa mesma vantagem era de 77%.
Esses juros, somados aos rendimentos, podem ser considerados de duas formas: uma perseguição contra o produtor nacional ou um subsídio às importações.
A exigência de pagamento em 30 dias elimina essa vantagem dos importadores e estabelece uma concorrência em igualdade de circunstâncias entre os produtos importados e a produção nacional na questão do financiamento.
A importância para o Brasil pode ser medida pelos dados do primeiro ano de funcionamento do Mercosul.
A Argentina teve superávit de US$ 1,5 bilhão no comércio com o Brasil. Ou seja, foi responsável por 50% do déficit brasileiro, de US$ 3 bilhões, embora participasse com somente 10% do comércio internacional do país, absorvendo apenas 8,69% de nossas exportações totais e 11,07% das importações. O superávit com o Brasil foi o único responsável pelo superávit comercial da Argentina, de US$ 900 milhões em 1995.
Com o Uruguai, o Brasil teve pequeno superávit, de US$ 75 milhões, menos da metade do obtido em 1994. Com o Paraguai foi registrado superávit de US$ 787 milhões, que não é correto, por ignorar todas as importações feitas por Foz do Iguaçu e outros pontos da fronteira pelos chamados "sacoleiros", cujo valor estimado é muito superior ao saldo oficial.
A situação para o Brasil no primeiro trimestre de 1996 é pior do que em 1995. Com a Argentina, enquanto o déficit em 1995 foi de US$ 324 milhões, em 1996 passou para US$ 481 milhões. Com o Uruguai, passou de US$ 7 milhões em 1995 para US$ 30 milhões no primeiro trimestre de 1996.
Por esses dados, verifica-se que é essencial ao Brasil reequilibrar a balança comercial no Mercosul, mantendo a equalização das condições de financiamento, limitando o prazo a 30 dias e exigindo a eliminação das tarifas protecionistas, como é exposto a seguir.
O Uruguai impõe uma tarifa de 27% à importação de têxteis brasileiros, enquanto o Brasil permite a entrada com zero de tarifa.
O Uruguai aplica essa tarifa por ter incluído os têxteis na sua lista de adequação. Ou seja, a tarifa serviria para proteger a indústria uruguaia da concorrência brasileira por um espaço de tempo que permitisse a ela se adaptar.
Os dados da elevada exportação do Uruguai para o Brasil mostram que não há razão para isso e que a tarifa é apenas protecionista, contrariando frontalmente o princípio de livre comércio. A medida da redução do prazo de financiamento deveria ser acompanhada pela exigência do Brasil de que o Uruguai eliminasse essa barreira tarifária injustificável.
Com a Argentina a situação é semelhante, já que o país incluiu na sua lista de adequação os têxteis, com tarifa de 27%, além de estabelecer cotas.
O mesmo ocorre com outros produtos da Argentina e do Uruguai, que entram no Brasil com tarifa zero, enquanto esses países aplicam tarifas elevadas.
Por exemplo: em 1995, calçados brasileiros pagaram 27% na Argentina e no Uruguai, e eles nos venderam US$ 35 milhões; pneumáticos brasileiros, na Argentina, pagaram 23%, e eles nos venderam US$ 55 milhões; no Uruguai, pagaram 30%, e eles nos venderam US$ 12 milhões; refrigeradores domésticos pagaram 27% na Argentina, e eles exportaram US$ 15 milhões ao Brasil; cervejas brasileiras pagaram 20% no Uruguai, e eles nos venderam US$ 41 milhões.
As barreiras tarifárias dos três países do Mercosul, das quais demos alguns exemplos, alcançam 221 produtos na Argentina, 427 no Paraguai e 950 no Uruguai.
O acordo de Ouro Preto prevê que os países podem eliminar as tarifas das listas de adequação. Está comprovado, pelas exportações dos seus produtos ao Brasil, que eles têm condições de concorrer e que as tarifas são protecionistas, não têm justificativa e devem ser eliminadas.
O governo brasileiro tem a obrigação de fazê-lo, com a mesma ênfase que eles usaram ao acusar o Brasil na defesa de seus interesses.

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