São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 1996
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Manicômios e mitômanos

GUSTAVO FERNANDO JULIÃO DE SOUZA

Mais uma vez volta à baila o velho café requentado da esquerda festiva em sua surrada versão "cidadania e saúde mental". Como sempre, fomos obrigados a ler os esbatidos lugares-comuns e frases feitas de costume, tais como "manicômios", "camisa de força", "eletrochoque". Agora há outro: "medicar (as criaturas em crise) em doses que tranquilizem, mas que não apaguem as subjetividades das pessoas (sic)". Esse é um trecho do artigo publicado nesta coluna no último dia 20/6, intitulado "Santa Genoveva e os manicômios".
O artigo seria apenas risível, não fossem duas coisas: primeiro, tenta atingir e macular o prof. Valentim Gentil Filho, ilustre professor da USP que tem se destacado na tarefa de divulgar o ensino e a atualização da psiquiatria no Brasil, de modo idôneo e competente. Em segundo lugar, presta um desserviço à opinião pública ao propagar inverdades científicas sob a forma de dogmas político-ideológicos. Torna-se nocivo como o são os eixos ideológicos que nortearam as famigeradas leis Carlão, Paulo Delgado, Gouveia e outras.
Por exemplo, dá a entender que a eletroconvulsoterapia monitorizada sob narcose e curarização (eletrochoque) é um método terapêutico banido da psiquiatria.
A eletroestimulação cerebral, quando indicada corretamente, pode salvar vidas em pacientes com quadro de estupor melancólico, catatonia letal e em quadros de depressão e transtornos delirantes acompanhados de idéias e/ou tentativas de suicídio ou risco físico para terceiros.
Os quadros depressivos e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) refratários ocasionam acentuado prejuízo existencial, social e profissional para os enfermos. É dever do psiquiatra tratá-los de forma acertada, utilizando doses recomendadas de psicofármacos ou terapêuticas biológicas (eletroconvulsoterapia e psicocirurgia nos casos severos e intratáveis) para aliviar seu intenso sofrimento e proporcionar a sua reinserção social. Isso, sim, constitui-se na verdadeira defesa da cidadania do paciente.
Para tratar o enfermo psíquico não basta ter pena dele, consolando-o e ouvindo-o com interesse, estimulando a produção de garatujas ininteligíveis, ou, mesmo, sentando-se ao seu lado para fazer colagens. Isso, ao contrário, pode promover a consolidação da doença por meio do mecanismo de reforço externo positivo, legitimando suas convicções e juízos anômalos.
Equivale, o que é mais sério, a tratar o doente mental como se ele fosse uma criança que necessita somente de recreação. O que "apaga a subjetividade das pessoas (sic)" é a própria doença e a sua evolução clínica desfavorável, mas nunca o tratamento médico adequado, apoiado em dados empírico-estatísticos confiáveis e em terapêuticas aprovadas pela comunidade científica mundial. O resto é conversa fiada. Ou grave mitomania.

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