São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 1996
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Novo projeto recupera o Glauber "trash"

DA REPORTAGEM LOCAL

O projeto sobre a obra de Glauber Rocha tentará, segundo Ivan Cardoso, reparar um dos vários equívocos ligados à obra do diretor. Mais do que um cineasta engajado, Glauber foi, para ele, um amante da experimentação.
"Eu dissequei os filmes dele. Tinha o Glauber do 'Deus e o Diabo', do 'Barravento'... Mas é o santinho. É o Glauber dos esquerdofrênicos. Tem um outro lado, o dos filmes 'africanos', como o 'O Leão de Sete Cabeças', que é pavoroso. E na época ninguém tinha coragem de falar isso. Ninguém entendia o filme, mas todos diziam que era genial porque era do Glauber."
Glauber se aproximaria então, prossegue Cardoso, de um cinema "B": "Os filmes são 'trash'. São os piores filmes brasileiros. Mas, por serem os piores, também são os melhores. Têm ali uns três minutos de filme genial. Como eu fiz um ideograma, misturo Glauber e Zé do Caixão. O Glauber tinha uma grande obsessão pelo Zé. Quando ele viu 'À Meia-Noite Encarnarei no Teu Cadáver', quis entrar na tela. Ele ficou louco".
A forma que "À Meia-Luz com Glauber na Zona Proibida" tomará será a de um clipe. Ivan Cardoso intercala cenas dos filmes do cineasta baiano com os de Zé do Caixão e, ainda, algumas imagens do maldito "Nosferato no Brasil".
"Minha tese é a de que o Glauber sempre foi um cineasta experimental. Acho que o 'Pátio' é a maior síntese do 'Limite'. Do Zé eu uso 'O Estranho Mundo'... Eu fiz um documentário sobre o Zé, 'O Universo de Mojica Marins'. E o Zé é quem narra o filme, é o mestre-sala, porque lida com Hélio Oticica, com o Glauber, tem música do Raul Seixas... Tem dia que eu tenho dormido de luz acesa aqui... O Torquato (morto em 1972). Eu tinha que pedir a proteção do Zé do Caixão. Ele é o negativo do Antônio das Mortes."
Inimigo
Glauber Rocha, ironicamente, foi durante anos lembrado no papel do cineasta que criou o termo "udigrudi" como a mais selvagem forma de ironia com os amantes de um "cinema de invenção".
"O cinema brasileiro é tão louco que a gente contraria a física. Os opostos se atraem e os semelhantes se afastam. O Sganzerla e o Glauber foram dois opostos. O Glauber era praticamente o grande inimigo nosso nos anos 70. Ele que criou essa palavra 'udigrudi', que para a gente era horrível, porque a gente era underground. Hoje eu já acho udigrudi legal. Foi genial ele ter criado essa palavra."
Para todos os cineastas dispostos à experimentação, havia uma espécie de barreira para a exibição.
Uma das lembranças de Cardoso era a restrição quase total de espaço para a exibição de seus inventivos filmes. Pelo formato, Super-8, não poderiam entrar em circuito.
"Nosferato no Brasil" quase foi exibido no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, mas foi vetado pelo diretor-presidente, Walther Moreira Salles, em outubro de 72, porque o filme não tinha um certificado da censura federal.
"Não guardo mágoa. Bem que o Unibanco poderia fazer um mea-culpa e me ajudar a passar o filme para 35 milímetros", diz Ivan Cardoso.

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