São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 1996
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Um jogo com surpresas

CELSO PINTO

A privatização é um tipo de jogo no qual os compradores das empresas sempre se dão bem, o governo sempre vende barato e os acionistas em geral são sempre recompensados pela maior eficiência da administração privada. Certo?
Nem tanto. Um levantamento feito pela Economática, a pedido da coluna, sobre o comportamento das ações das principais empresas privatizadas desde o dia de sua venda até o último dia 15, coloca em dúvida algumas dessas certezas.
Entre 6 empresas privatizadas de maior porte, apenas 2 apresentaram valorizações em termos reais, que superaram o índice Ibovespa da Bolsa paulista. Nos outros quatro casos, quem comprou ações das empresas privatizadas, apostando numa decolagem no médio prazo, perdeu dinheiro.
Os dois casos de sucesso são a Usiminas e a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST). Desde a privatização da Usiminas, em 91, até hoje, sua ação PN subiu 584% em termos reais e superou a média das outras ações do Ibovespa em 20%. As ações PNB da CST subiram 401% em termos reais e 106% acima do Ibovespa desde a privatização, em 93.
Não por coincidência, lembra o administrador de um fundo de ações, foram duas empresas vendidas no início do processo, quando havia menos interessados. Por essa razão, ambas acabaram saindo por preços considerados atraentes.
São, também, dois casos de sucesso. A Usiminas é qualificada por outro administrador de peso como uma empresa "profissional, independente e muito competitiva". A CST deu um grande salto, ainda que sua compra recente por um consórcio que inclui a Acesita tenha aberto algumas dúvidas.
Dois casos de quedas enormes nos preços das ações são os da Acesita e da Cosipa. A Acesita PN caiu, desde 92, 42% em termos reais e ficou 86% abaixo da variação do Ibovespa (no caso das ações PN, as quedas foram de 51% e 88%). A Cosipa PNB perdeu, desde 94, 72% de seu valor em reais e ficou 87% abaixo do Ibovespa (as ações ON caíram 66% e 84%, respectivamente).
No caso da Acesita, o excessivo apetite de sua administração privada por diversificação levantou dúvidas no mercado. A Cosipa, segundo um analista, revelou-se um problema industrial muito mais complicado e custoso do que parecia antes da privatização.
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi símbolo dos ganhos que a privatização pode trazer para uma empresa estatal. No entanto, também nesse caso seu apetite por diversificação criou dúvidas. A performance de suas ações não é um desastre, mas está longe de ser um sucesso inequívoco: desde 93, as ações ON subiram 55% em reais, mas ficaram 44% abaixo do Ibovespa.
Finalmente, há o caso da Light, vendida em maio deste ano, cujas ações ON caíram, desde então, 16% em reais e ficaram 27% abaixo do Ibovespa. Há uma explicação. Como todas as ações da Light são ordinárias, seus acionistas puderam vendê-las ao controlador, no momento da privatização, pelo valor da operação. Fizeram isso porque o governo, permitindo o uso de moedas podres e dando outras vantagens, reduziu o valor real da empresa, sem reduzir o valor de venda das ações (que ficaram acima do preço de mercado). Com isso, 13% dos 18% das ações que estavam no mercado foram vendidas ao controlador na privatização. As ações que sobraram ficaram sem liquidez e perderam valor.
As comparações com o Ibovespa trazem alguma distorção dado o peso da Telebrás no índice. No ano passado, por exemplo, enquanto o Ibovespa caiu 3% em dólares, o índice da FGV, de cem ações, caiu 35%.
Mesmo assim, o fato é que, se o preço de venda das estatais fosse uma miséria, os ganhos dos novos compradores teriam sido imensos e se refletido nos preços das ações. Os exemplos ilustram também o óbvio: a administração privada não é garantia absoluta de sucesso nem de ganhos aos minoritários.
O fenômeno, aliás, não é só brasileiro. A revista "The Economist" publicou dados do banco Morgan Stanley mostrando que quem comprou ações de empresas privatizadas na França perdeu, em 1994, 9,3% (ou 7,1% em relação à média do mercado) e, na Itália, perdeu 8,5% e 0,5%, respectivamente.

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