São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 1996
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Entre dois fogos

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A tendência da balança comercial nos meses recentes, e em especial o elevado déficit de junho, reacendeu o debate sobre certas inconsistências da política macroeconômica.
A deterioração era esperada. Com o câmbio tão valorizado e a economia bastante aberta às importações, o aumento da demanda interna, induzido pelo relaxamento das restrições ao crédito e pela diminuição gradual das taxas de juro, tende a gerar um desequilíbrio na balança comercial. Quanto mais forte a reativação daqui até o final do ano, maior tenderá a ser o desequilíbrio externo.
Já posso imaginar a reação de alguns leitores: "Lá vem mais uma explicação hermética sobre câmbio".
Calma, prezado leitor. Se isso serve de consolo, fique sabendo que ninguém menos que Machado de Assis chegou a escrever, certa vez, que, "de todas as coisas deste mundo e do outro, a que menos entendo é o câmbio".
Pois, então, se era assim para um gênio como Machado de Assis, é perfeitamente natural e compreensível que nós, mortais comuns, tenhamos algumas dificuldades com o tema.
Não estou insinuando que os mentores da política econômica não compreendam a natureza do problema. Afinal, foram eles próprios que o criaram.
Na verdade, o governo está entre dois fogos. Por um lado, precisa estimular a demanda interna. A queda dos juros e a recuperação das vendas no mercado interno contribuem, por motivos conhecidos, para aliviar a situação dos bancos e das finanças públicas.
Além disso, a recuperação da demanda agregada produz, com alguma defasagem, melhora dos salários reais e do nível de emprego, algo que é especialmente bem-vindo em época pré-eleitoral...
O grande problema -e é isso que está começando a aparecer nos dados recentes de comércio exterior- é que o crescimento da demanda interna tende a produzir déficits na balança comercial. Primeiro, porque o aumento da produção e da renda no país estimula um aumento dos gastos com importações. Segundo, porque o aquecimento da demanda interna tende a reduzir excedentes exportáveis e a deslocar vendas do mercado externo para o interno.
Como o Brasil tem déficit elevado e crescente na balança de serviços (em função dos juros da dívida externa, remessas de lucros, despesas com viagens internacionais e transporte de mercadorias etc.), o resultado é uma ampliação perigosa do déficit das contas externas e um agravamento da vulnerabilidade do país.
Mas, se o governo se arrepender e voltar a brecar o nível de atividade, com o intuito de reequilibrar o setor externo, as finanças públicas vão piorar, os bancos vão tremer e o desemprego aumentará.
Esse dilema não é, volto a dizer, nenhuma fatalidade macroeconômica. Trata-se de um problema que resulta da política econômica seguida pelo Brasil, especialmente na área cambial.
A forma mais intuitiva de explicar a valorização cambial talvez seja lembrar o seguinte: quando o câmbio se valoriza em termos reais, isto é, quando os preços e os salários em reais sobem mais do que a taxa de câmbio nominal, o que acontece é um aumento dos preços e salários brasileiros medidos em dólares.
Fica mais caro produzir bens e serviços no país e os produtores nacionais tendem a ficar em desvantagem, seja nos mercados externos, seja na competição com produtores estrangeiros no mercado brasileiro.
Nos últimos dois anos, entre junho de 94 e junho de 96, os preços ao consumidor no Brasil, medidos em dólares, aumentaram nada menos que 70%, quando se considera o Índice Nacional de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas. No mesmo período, os preços ao consumidor nos EUA aumentaram apenas 5%.
Os salários industriais, medidos em dólares, também aumentaram de forma expressiva. Entre junho de 94 e maio de 96, os salários médios na indústria brasileira, medidos em dólares, aumentaram 47%.
O que ninguém até agora conseguiu explicar é como o Brasil vai conseguir operar a mágica de compensar essa imensa valorização cambial com ganhos de produtividade e redução do "custo Brasil". Tanto mais que a política do governo nem sempre é consistente com esse objetivo. A CPMF, por exemplo, é mais um tributo cumulativo, que reduz a competitividade internacional da economia.
O fato é que o governo deu um passo em falso na política cambial. Ainda que não possa, e nem deva, admiti-lo de público, terá que dar tratos à bola para escapar da armadilha em que se encontra.

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