São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 1996
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DESVIRTUOU

Como dizia Lampedusa, é preciso modificar as coisas para mantê-las como estão. Foi mais ou menos isso o que o Congresso fez com o projeto de lei que deveria transferir para a Justiça comum os crimes comuns praticados por PMs.
É mais do que notório o corporativismo da Justiça Militar, que acaba, muitas vezes, por absolver membros da corporação ainda que as provas contra o réu sejam contundentes ou mesmo protelar o processo até que a punibilidade prescreva.
Assim, parece muito pouco transferir para a Justiça comum apenas os crimes dolosos contra a vida, cabendo, ainda, à autoridade militar determinar se se trata de fato de um crime doloso contra a vida. Os vícios corporativos, é evidente, não cessarão.
Em que pese um pequeno avanço em relação à legislação em vigor -crimes como o massacre de Eldorado do Carajás, por exemplo, poderão ser julgados pela Justiça comum-, a mudança parece ser insuficiente diante de abusos cometidos por policiais militares.
Crimes mais comuns do que o homicídio doloso, como, por exemplo, extorsão, lesões corporais, prisões ilegais, cometidos por PMs continuam sob a alçada da Justiça Militar.
Como recomenda o bom senso, a Justiça Militar deveria estar reservada a delitos claramente militares como indisciplina ou deserção. É mais do que óbvio que um policial militar, quando estupra uma mulher, não o faz na condição de militar, mas como um cidadão com claro comportamento anti-social.
É de lamentar, portanto, que o projeto que visava a transferir os crimes comuns para a Justiça comum -como recomenda a mais elementar lógica- tenha sido tão desfigurado pelos parlamentares. Pode-se perguntar quais lobbies terão atuado nessa autêntica mutilação.
Como dizia o crítico francês Alphonse Karr: "Plus ça change, plus c'est la même chose"...

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