São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 1996
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A equação da Vale

CELSO PINTO

Por trás da modelagem de privatização da Vale do Rio Doce, está a tentativa de equacionar duas questões delicadas.
A primeira envolve o preço de venda. Vender um bloco de controle, por definição, maximiza o preço e, portanto, a receita do governo. Mas desperdiça uma chance de ouro de pulverizar a venda de ações entre milhares de novos acionistas, no Brasil e no mundo.
Pulverizar toda a venda, de outro lado, certamente afetaria o preço, reduzindo a receita do governo. Por uma simples razão: se o governo fixar um preço muito alto para as ações, e a venda fracassar, a dimensão do fracasso será do tamanho da venda, ou seja, gigantesca.
Além disso, vender barato é a única forma de ter certeza de que os milhares de compradores não terão prejuízo, como o Reino Unido ensinou com seu "capitalismo popular". Um prejuízo traria uma péssima repercussão para a Bolsa e ainda pior para a popularidade do governo.
A segunda questão delicada na modelagem é abortar a possibilidade de os fundos de pensão, associados aos funcionários da Vale, ficarem com o controle da empresa depois da privatização. Os fundos de pensão, estatais e privados, já têm 18% do capital da Vale.
Os funcionários, por sua vez, estão pressionando para ter, no mínimo, 10% do capital da Vale, vendido com as habituais vantagens: deságio de 70% e financiamento de até 20 anos. Ao governo não interessa que os fundos, junto com os funcionários, abocanhem a Vale. Implicaria manter a mesma administração e daria uma incômoda cobertura estatal de última instância à Vale privatizada.
Como equacionar tudo isso? O modelo praticamente definido, mas que só deverá ser apresentado ao Conselho Nacional de Desestatização no final de agosto, prevê a venda em duas fatias. A primeira etapa seria a venda de um lote estratégico, envolvendo 45% das ações votantes.
Haverá critérios para pré-qualificação dos compradores: não poderão ser grandes mineradoras nem grandes consumidores de minerais. Mas os pré-qualificados poderão comprar todo o lote, ou se unir em consórcios. Os 45% do capital permitiriam fácil composição de controle com outros 5% do capital. O preço de venda, portanto, seria considerado de controle, argumenta o vice-presidente do BNDES, José Pio Borges, e o ganho seria maximizado.
Como o governo tem 76% do capital votante da Vale, ficaria para uma segunda etapa, de três a seis meses depois, a venda do restante das ações, ou 31% do capital votante. A venda seria pulverizada por meio de uma oferta global, ou seja, as ações seriam vendidas tanto no Brasil quanto no máximo de mercados ao redor do mundo.
Para garantir a pulverização, cada investidor só poderia comprar algo como 2% a 3% do capital. O preço, por definição, seria inferior ao da venda do bloco de controle. Ter um lote de 31% do capital, nesse caso, é uma tentativa de ter algo grande o suficiente para fazer barulho como venda pulverizada, mas não tanto que impeça a formação de um bloco de controle ou reduza demais o ganho do governo com a venda.
A venda do bloco de controle permitirá que outros grupos interessados assumam o comando, a despeito dos 18% dos fundos. Quanto aos funcionários, sua fatia ainda não está definida, mas a tendência é limitar a algo em torno de 5% do capital.
Outra questão que está para ser definida é o alcance da "golden share", ação especial que o governo preservará na Vale. Ela deverá impedir que se mude o nome, a sede e o objetivo social da Vale. Quanto mais vetos, contudo, mais será desvalorizado o preço de venda.
O preço ainda não está fixado e só deverá ser revelado em agosto. Nove entre dez bancos de investimentos internacionais estimam algo entre US$ 9 bilhões e US$ 10 bilhões, o que é bem mais do que a empresa vale no mercado.
Bamerindus
O papel do BNDES na solução do caso Bamerindus, segundo Pio Borges, deverá limitar-se a facilitar a recomposição do esquema de amortização de um velho empréstimo dado à Inpacel (empresa de papel e celulose do grupo), se ela for vendida. Parte do empréstimo foi feito via Finame. É, portanto, risco do banco repassador, e não do próprio BNDES.

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