São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 1996
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Questão de consciência

MAXIMIANO AUGUSTO GONÇALVES FILHO

A pirataria de software no Brasil rouba anualmente 80% da potencialidade do mercado e bloqueia a injeção de R$ 1,5 bilhão na economia brasileira. O efeito nocivo e direto desse crime é a redução substancial da capacidade da nossa indústria de software de investir mais em pesquisas.
Se hoje o país é um dos dez maiores do mundo em produção de programas de computadores, exportando US$ 100 milhões, certamente poderia varar o século liderando o ranking, se seus produtos não estivessem sendo roubados.
O Brasil dispõe de legislação específica de proteção à produção de software, que permite rápida ação policial sem submetê-la à morosidade do processo judiciário. A lei, que já ajudou a reduzir a supremacia dos piratas, dá cadeia e multa altíssima -2.000 vezes o valor de cada programa ilegalmente reproduzido-, mas não é suficiente para destruir a cultura da pirataria.
Em sua terceira edição, a Fenasoft, juntamente com a Abes e outras entidades, desencadeou uma campanha de combate à pirataria e continua dando suporte aos movimentos. O esforço produziu resultados, mas a solução exige um outro importante ingrediente: a consciência popular.
Infelizmente, piratear software em qualquer lugar do mundo é uma ação caseira. O estudante copia o programa do colega; a empresa adquire legalmente um software e o reproduz em toda a sua estrutura; enfim, não é sem motivo que nos Estados Unidos a pirataria ainda não baixou dos 35%.
Mas, no Brasil, o índice é alarmante, justamente porque o produto que exigiu um trabalho de pesquisa minucioso e altos investimentos é roubado por 80% dos usuários. E já chegou a 98%.
Não há dúvida de que o índice vai cair. Já passamos pela era da fita cassete, em que o hábito de copiar foi realimentado pelos preços inacessíveis. Hoje, a reprodução não atinge 5%, justamente porque os preços despencaram, graças à tecnologia. Nos Estados Unidos, já há equipamentos que permitem a reprodução de CDs, o que equivale a dizer que esses produtos repetirão a história dos cassetes.
Os preços dos softwares já estão bem acessíveis, correspondendo a menos de 10% do valor do hardware. Mas falta somar à realidade dos preços a consciência de que reproduzir programas ilegalmente é roubo, amoral e, sobretudo, impede a indústria de investir mais em pesquisas para criar novas facilidades no uso do equipamento.
Quem pode pagar R$ 2.000 por um computador só não desembolsa R$ 80 por um software porque prefere recorrer a um amigo para curtir a vaidade de exibir a sua sonhada aquisição e ter o companheiro como suporte para se encontrar no mundo da tecnologia.
Isso é um engano que resulta em prejuízo. Adquirindo um software legalmente, o usuário tem assistência, aprende a manuseá-lo e estabelece com o revendedor uma reciprocidade imprescindível à melhoria das suas condições de uso do equipamento.
Todas as pessoas precisam, necessariamente, se conscientizar de que o estágio inicial para quem pretende investir nessa importante ferramenta de trabalho, independentemente da idade, é justamente a aprendizagem, para assimilar as noções essenciais do hardware e dos programas.
Com isso, o aprendiz inicia a sua convivência com o computador obtendo uma larga vantagem, principalmente a de saber dimensionar o equipamento certo para as suas necessidades.
Infelizmente, há pessoas que têm em sua sala um Pentium para eventualmente escrever alguma coisa. E o pior: não ousam vencer o medo de explorar toda a potencialidade do amigo computador.
A nossa geração, que vive mergulhada na ansiedade permanente produzida pela velocidade da tecnologia, reage, em sua maioria, com vaidade ao processo de aprendizagem permanente. Mas as gerações sucessivas já nascem com a cultura do computador, e uma das consequências é a redução da pirataria pela consciência de valor pautada, sobretudo, pela ética.
Por essas razões, a iniciativa do Ministério da Educação de informatizar 23 mil escolas vem em boa hora. Aprendendo a trabalhar com o computador desde cedo, a criança crescerá também com a consciência de valor. E, naturalmente, enxergará cedo a importância de não fugir à moral e nem à ética ao adquirir um software.
Hoje, apenas 6% das famílias brasileiras, de acordo com o levantamento do Datafolha, têm computador em casa. Nos Estados Unidos, o índice é de 33%.
Essa pesquisa permite-nos observar que a grande maioria da população brasileira não vê ainda o computador como ferramenta valiosa à sobrevivência profissional de sua família, o que reduz a compreensão sobre a importância da indústria do software para a qualidade de vida de cada um de nós.
Mas, felizmente, as novas gerações estão se desenvolvendo com conhecimento de informática, constituindo-se nas forças imbatíveis que reduzirão a ação dos piratas do mundo moderno.

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