São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 1996
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A CPMF, a urgência e a vida

MAILSON DA NÓBREGA

O debate em torno da CPMF mostra que os seus defensores são a minoria, o que é normal. Afinal, toda unanimidade é burra, dizia Nelson Rodrigues.
Trata-se de uma minoria agressiva. Para ela, quem é contra a CPMF não presta, é insensível e tudo o mais que alguém se permite usar quando a argumentação é emocional.
Por esse prisma, não ser adepto da CPMF é estar contra a vida. É ficar prisioneiro de uma visão tecnocrática, capaz de apoiar os juros altos, mas de silenciar diante de tão grave problema, o da necessidade urgente de recursos para a saúde.
Apela-se ao sentimento de solidariedade da opinião pública. Condenar a CPMF equivaleria a assistir impavidamente à morte dos doentes ou a deixar sem atendimento de emergência milhares de desvalidos.
Exageros e apelos à parte, continuo contrário à CPMF porque, a meu ver, existe alternativa menos danosa. A solução via CPMF é insensata, não apenas porque se trata de um imposto mau, mas, principalmente, porque ela é a antítese do discurso de FHC e das idéias subjacentes ao Plano Real. Senão, vejamos:
O presidente se diz favorável a uma reforma para modernizar o sistema tributário, minorar suas distorções e reduzir as correspondentes injustiças. A CPMF piora o sistema, introduz novas distorções, é iníqua.
O presidente defende não tributar os produtos exportáveis, para aumentar a competitividade externa e fazer crescer as exportações. A CPMF agrava o quadro de incidências múltiplas e não-desoneráveis sobre as exportações.
O presidente defende a extinção das cunhas fiscais sobre o sistema financeiro, as quais nos fazem campeões mundiais de distância entre a remuneração dos investidores e o custo dos devedores. A CPMF exacerba essa perversa situação.
O presidente reclama das vinculações da receita pública a determinadas despesas -maneira primitiva de estabelecer prioridades, levada aos píncaros pela Constituição de 1988. A CPMF é uma vinculação, ainda que lógica nas circunstâncias.
A confiança do público não se constrói só com adequada execução de políticas públicas, mas também por sinais que o governo emite. A repetição continuada desses sinais pode arruinar a credibilidade. A CPMF é, sem dúvida, um péssimo sinal.
A CPMF pode acarretar, pelo aumento de juros por ela provocado, uma elevação da dívida pública. O governo arrecadaria de um lado e gastaria do outro. É difícil entender.
Seria mais barato, assim, ampliar a dívida pública para destinar recursos à saúde. Poder-se-ia fazê-lo por dois ou três anos e não por um, como na CPMF. Nesse período, se estudaria solução definitiva, incluindo a revisão do criticado Sistema Único de Saúde.
Os adeptos da solução CPMF usam a política de juros altos do ano passado como argumento adicional contra os que condenam o imposto. É uma forma de tachá-los de injustos, já que não condenaram aquela política.
Como se recorda, a política de juros foi utilizada para evitar que os efeitos do "boom" de consumo e da crise mexicana redundassem no fracasso do Plano Real. Diante da rigidez orçamentária, era impossível, na minha opinião, uma resposta de natureza fiscal.
Nunca fui um crítico dessa solução, talvez porque minha vivência no setor público me faça entender um pouco melhor as severas limitações no campo fiscal. Eu seria, entretanto, um ferrenho crítico se a saída tivesse sido, como no caso do malsinado Cruzado 2 e, agora, da CPMF, um aumento de carga tributária.
Resta a questão da urgência e de como explicá-la. De onde vem a emergência, se entre o início da campanha pela CPMF e o começo da arrecadação há um período de quase dois anos?
Se a saída fosse a do endividamento público adicional, todos entenderiam, os recursos já estariam disponíveis para a saúde e o governo não seria incoerente. Seria melhor do que a confusão da CPMF por um ano, durante o qual dificilmente haverá uma solução definitiva.
P.S.: Prometo não mais escrever sobre a CPMF. Por causa dela, atrasei em duas semanas o artigo prometido sobre o câmbio, o qual sairá na próxima sexta-feira.

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