São Paulo, sábado, 20 de julho de 1996
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Estabilidade e falências

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A Folha noticiou, no meio da semana, o alto nível de despedimentos na indústria paulista (mais de 3.000 empregados viveram o drama da rescisão de seus contratos de trabalho) e o substancial aumento (58%) no número de falências requeridas. As concordatas também aumentaram. O conjunto dessas informações demonstra os efeitos das restrições econômico-financeiras consequentes do programa de estabilização, mas impossíveis de serem evitadas se o povo brasileiro quiser terminar com a inflação.
As falências e as concordatas são temas da vida econômica do país, mas têm importantes efeitos na área do direito, não apenas em relação às pessoas jurídicas, mas também às pessoas físicas, dos comerciantes e industriais. Para esse efeito vale a pena fazer um pouco de história.
A Lei de Falências existe há 50 anos, pois foi editada por Getulio Vargas, durante o chamado Estado Novo. Embora cinquentenária, perde, de longe, para outras leis total ou parcialmente em vigor, sejam civis (o Código Civil, por exemplo, é de 1917), sejam comerciais (o Código Comercial é de 1850), todas porém, mutiladas por longa série de modificações ao longo dos anos.
As concordatas -que estão definidas na mesma lei- têm caráter preventivo (antes de ser declarada a falência) ou suspensivo (depois da falência). Recordei tais pontos elementares do direito e de sua história porque relacionadas com a política econômica do governo federal.
Na memória do trabalho dos advogados comercialistas, o setor de falências e concordatas é carregado de dramas e geralmente rendoso. Todavia, não tem proporcionado número de questões tão grande quanto se poderia prever -apesar dos números crescentes indicados no noticiário. Boa parte da economia brasileira é informal ou subterrânea, cujo verdadeiro significado ainda não foi adequadamente determinado e, assim, não atingível pelos processos falimentares.
Quando o comerciante ou industrial entra em falência isso não significa que seu patrimônio se extinguiu ou sofreu diminuição substancial. Significa apenas que ele não teve condições de pagar dívida (basta uma) líquida e certa no vencimento, dívida essa adequadamente formalizada, nem alegou motivo relevante para não cumprir a obrigação.
O concordatário requer, ao juiz, a convocação de seus credores, sob promessa de pagá-los em dois anos. Na simplicidade desse enunciado é claro que há uma longa série de alternativas -algumas das quais obscuras, escusas ou condenáveis- em que os credores são prejudicados, sem que as leis processuais os protejam suficientemente.
Durante algum tempo falou-se nos caminhos tortuosos da "indústria da concordata". Hoje, até a prosperidade dela foi prejudicada pela estabilidade da moeda. "Indústria da concordata" consistira em acumular estoques ou reservas monetárias fora da empresa, antes de pedir os dois anos de prazo.
Deferida a concordata, o concordatário, por interpostas pessoas, adquiria os créditos de todos os credores que não queriam ou não podiam esperar o pagamento em até dois anos. Créditos cujo valor era corroído pela inflação.
A estabilidade da moeda muda a linha do jogo. Gente séria e qualificada vem sendo atingida pela crise, pouco importando, para exame dos efeitos jurídicos, diagnosticar a causa de suas dificuldades.
O remédio da estabilidade tem, para muita gente, severas contra-indicações. A lei, porém, é genérica, compreendendo os que trabalham dentro da legalidade e também os outros. Com isso, a moeda relativamente estável vitima muita gente boa, mas ao impedir ou diminuir velhas fraudes, causa mais bens do que males.

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