São Paulo, sábado, 20 de julho de 1996
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Bolsas à beira de uma crise de nervos

RUBENS RICUPERO

As frenéticas oscilações da Bolsa de Nova York nos últimos dias incitaram, como era de prever, as inevitáveis comparações com a catástrofe de 1929 ou com o tremor mais benigno de 1987. Com a primeira, as semelhanças começam porque, em ambos os casos, o relâmpago se desencadeou num céu azul e sem nuvens.
Em temporada eleitoral, a economia americana parece navegar em mar tranquilo, crescendo 2,6% ao ano, sem pressões inflacionárias, com déficit orçamentário e desemprego cada vez menores. Quadro de dar inveja a uma Europa de novo angustiada pelo europessimismo e a um Japão em inquieta convalescença de prolongada recessão.
Ora, como lembra Galbraith no seu clássico "The Great Crash", em dezembro de 1928, também ano eleitoral, a mensagem ao Congresso do presidente Coolidge foi das mais róseas de que se tivera notícia:
"Tranquilidade e contentamento reinam no campo interno... registra-se o recorde mais longo de anos de prosperidade. No domínio internacional impera a paz, a boa vontade que nasce do entendimento mútuo..."
Paralelo mais sugestivo foi traçado há 15 dias, em artigo profeticamente intitulado "Os riscos de um colapso". Nele, Michael Prowse, um dos colunistas mais provocativamente ortodoxos do "Financial Times", reconhecia que a relutância do Fed (Federal Reserve) em aumentar os juros, embora justificável pela inexistência de claras ameaças inflacionárias, poderia revelar-se fatal por continuar a alimentar a bolha especulativa no mercado de ações.
O dever de um banco central, dentro dessa perspectiva, estende-se além da manutenção da estabilidade de preços de mercadorias e serviços. Na segunda metade dos anos 20, as autoridades americanas tinham igualmente conseguido controlar os riscos inflacionários. Seu erro teria sido o de assistir passivamente ao delírio especulativo, que levou a alturas estratosféricas as cotações das ações.
Da mesma forma, o Fed deveria, segundo esse raciocínio, ter liquidado a especulação no momento em que as elevações da Bolsa passaram a se alimentar de si mesmas, sem qualquer relação com a economia real.
Para quem acha forçada a comparação com a década de 20 e pensa que, em contraste, os avanços recentes refletem sólidos aumentos de lucratividade, Prowse lembra que os analistas da época reagiam exatamente como os de hoje.
Pouco antes da fatídica "Quinta-Feira Negra" de 1929, o professor Irving Fisher, o mais reputado economista daqueles dias, afirmava que as cotações haviam atingido o que parecia "um nível elevado permanente", em decorrência "principalmente de sólidas e justificadas expectativas de lucros".
Assim, até dezembro de 1994 os preços das ações pareciam realistas. Difícil mesmo é justificar o salto de 45% nas cotações desde então. Será plausível que, num período tão curto, o valor real do patrimônio e das perspectivas de lucro das empresas americanas tenha aumentado quase metade?
O problema seria que, diante de juros modestos, o público americano acostumou-se a considerar fundos mútuos de ações como uma espécie de "superconta bancária", com ganhos imensos e quase nenhum risco.
A prova é que, nos cinco primeiros meses deste ano, os fundos captaram US$ 124 bilhões, quantia quase igual aos US$ 129 bilhões recolhidos durante todo o decorrer do ano passado.
O que me parece mais interessante nessa análise não é tanto tomar partido a favor da tese conservadora em defesa de um aumento dos juros, ou contra ela. O mais espantoso é que ninguém se escandalize com o caráter reconhecidamente irracional e lunático de uma economia governada por mercados financeiros e de ações de tamanho grau de imperfeição.
Por esse caminho se chega a uma situação em que "o pagamento dos empréstimos externos e o retorno a moedas estáveis (passaram a ser) as pedras de toque da racionalidade... e nenhum sofrimento privado, nenhuma violação da soberania foram considerados sacrifícios demasiado grandes... as privações dos desempregados..., a destituição de funcionários públicos sem indenização, até a renúncia dos direitos nacionais e a perda das liberdades constitucionais foram consideradas preço justo para a obtenção de orçamentos equilibrados e moedas saudáveis...".
Soa familiar, mas não se trata do momento atual, e sim da descrição do apogeu "do prestígio do liberalismo econômico na década de 20", feita por Karl Polanyi em livro de 1944, "The Great Transformation". Como se vê, nada de novo sob o sol...

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