São Paulo, sábado, 20 de julho de 1996
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A laranja explosiva

EVARISTO MARZABAL NEVES

Nestes dias que marcam o início da safra na citricultura, alguns movimentos dos produtores contra os preços recebidos pela caixa chamaram a atenção da mídia e da sociedade.
Vamos listar alguns: 1 - Bloqueio da via Anhanguera, no dia 12/06, na altura do Centro de Citricultura do Instituto Agronômico, em Cordeirópolis, com distribuição de sacos de laranja na paralisação e congestionamento da rodovia.
2 - Bloqueio da entrada de caminhões com frutas em duas unidades agroindustriais de suco (Bebedouro e Colina), em 04/07, por algumas centenas de produtores, impedindo o descarregamento da fruta e a saída de carretas de suco com destino ao porto de Santos e, sucessivamente, em outros dias, bloqueando a entrada em outras unidades de processamento.
3 - Recrudescimento do movimento, com pressões junto ao Ministério da Agricultura, e marcha a Brasília e à Câmara dos Deputados para discutir o movimento de protesto contra as indústrias de suco, na semana de 8/07 a 13/07.
4 - No interior de São Paulo, principalmente no cinturão citrícola, a marcha ganha proporções indesejáveis com a adoção de táticas de guerrilha, o que, certamente, arranhará a hegemonia mundial do Brasil no setor de sucos.
O caos se estabelece. Dentro do próprio setor de produção, começa a discussão sobre a efetiva representatividade das associações dos citricultores e aumenta ainda mais a ociosidade de plantas industriais que operam com custos fixos médios crescentes.
Ora, a esta altura é preciso pôr ordem na corte, antes que seja tarde. Para o ano, poderá piorar, diante das primeiras previsões da Flórida de que a produção, na safra 96/97, poderá saltar dos atuais 202 milhões para 215 milhões de caixas. Com isso, as necessidades de importações norte-americanas, provavelmente, serão reduzidas e irrisórias.
O momento não é de lavar as mãos e deixar desaguar as tensões e o mal-estar, ou, ainda, de ser omisso ou negligente. Trata-se de um setor que só no Estado de São Paulo ocupa 800 mil hectares, cerca de 20 mil propriedades rurais, emprega (direta e indiretamente) 400 mil pessoas, arrecada impostos que irrigam mais de cem municípios e gera mais de US$ 1,2 bilhão/ano em divisas, com a exportação de suco, óleo essencial, pelets e frutas de mesa.
Abaixar a guarda é preciso. Planejar o setor, ainda mais. A torcida de quem está fora de nossas fronteiras é que a laranja paulista sofra uma implosão e, de mãos beijadas, entregue a competitividade e a hegemonia mundiais, conquistadas com muita luta. É um fratricídio catastrófico.
A desorganização e a desestabilização atuais ferem um dos setores mais dinâmicos do agronegócio brasileiro, e a citricultura paulista, que se orgulha de seu elevado poder competitivo internacional, certamente recolherá os respingos amargos e azedos da explosiva laranja.
É neste instante que deverá funcionar uma câmara setorial consciente, racional e responsável, para corrigir os desvios de rota.
É sentar em torno de uma mesa e negociar. Negociar um planejamento para o setor, no qual sejam ouvidos todos os atores em cena (citricultores, agroindústrias, agentes econômicos de distribuição, transporte, institutos de pesquisa e assistência técnica, universidades e o governo, principalmente).
Negociação é a palavra-chave no comércio mundial, mas saber negociar, antes de tudo, é arte. É dominar a informação, as condições atuais e previsões de oferta e demanda mundiais e internas e, acima de tudo, o conhecimento das políticas econômicas domésticas e externas e das regras de mercado.
Quem perde com esses movimentos? É a sociedade como um todo, que, com a permissividade do prolongamento da crise, sem estabelecer um diálogo entre todos os atores, terá afetados, com certeza, mercado de trabalho, geração de emprego, formação de capital, renda e investimentos regionais e captação de divisas.
Agora, é preciso dar as mãos; senão, a mão que colhe a laranja será a mesma que atirará o bagaço.

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