São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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Mortalidade materna cresce em S. Paulo

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aumentou o número de mulheres que morrem durante o parto na cidade de São Paulo. No ano passado, o principal centro de medicina do país contabilizou 106 mortes maternas, ou uma a cada três dias.
Em 1994, haviam sido registradas 95 mortes. O aumento foi de 11,6%. Em um ano, o coeficiente saltou de 46,3 mortes por 100.000 nascidos vivos para 51,3.
É duas vezes e meia o índice considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde -20 mortes por 100.000 nascidos vivos (veja quadro abaixo).
São Paulo tem um dos melhores índices do Brasil. Nos Estados do norte do país, onde estão concentrados os piores coeficientes, chega-se a encontrar 300, 400 mortes por 100.000 nascidos vivos.
O problema é que, enquanto o índice está em queda no Brasil e na maioria dos Estados, ele é ascendente na cidade. No ano passado, o número de mortes maternas no país caiu 8,4% -de 1.041 em 1994 para 953 em 1995.
"A mortalidade materna está aumentando em São Paulo porque o sistema de saúde está piorando", diz a médica Ana Cristina d'Andretta Tanaka, 49, chefe do departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da USP e uma das maiores especialistas no assunto no Brasil.
O médico Paulo Afonso Marcus, 44, diretor do Comitê de Mortalidade Materna da prefeitura, tem outra hipótese. Acha que os números são ascendentes porque a estatística melhorou nos dois últimos anos por causa do comitê.
O órgão investiga toda morte de mulher entre 10 e 49 anos. Descobriu que 37% dos casos do ano passado não estavam registrados como morte materna. Tanaka diz que dois anos é um prazo curto para mostrar melhora na estatística.
Indicador de qualidade
Mortalidade materna é um dos melhores indicadores da qualidade dos serviços hospitalares, segundo Ruy Laurenti, 63, professor titular de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Isso porque cerca de 90% dos partos no Brasil acontecem em hospitais. Mortalidade materna também é um bom indicador da qualidade do pré-natal, feito por 83% das mulheres, como revelou uma pesquisa de Tanaka de 1992.
"Morrem mais mulheres porque as elas ficam cada vez mais peregrinando atrás de hospital na hora de ter bebê", diz Tanaka.
O estudo dela mostra que 50,4% das mulheres passavam por dois hospitais, no mínimo, antes de dar à luz. E a situação piorou, diz.
A peregrinação resulta da redução de leitos. A cidade de São Paulo tinha 1.558 leitos do SUS (Sistema Único de Saúde) em julho de 95, e a Grande São Paulo outros 843, suficientes para atender a demanda.
Só nos dois primeiros meses deste ano, com o desligamento do SUS de um hospital de Guarulhos e outro de Diadema, a região perdeu vagas que abrigavam cerca de 1.000 partos por mês. São pessoas que vem dar à luz em São Paulo.
Faltam leitos, também, porque os hospitais privados recusam justamente a gravidez de alto risco, diz Tania Lago, 41, coordenadora da Saúde da Mulher da Secretaria de Estado da Saúde.
Recusam por causa do preço: por um parto normal, cuja internação dura em média 2,5 dias, o SUS paga R$ 118 em média.
Fácil de evitar
Alta taxa de mortalidade materna é um escândalo porque 96% dos casos são evitáveis, segundo a OMS. Essas mortes não estão sendo evitadas porque o pré-natal virou "um ritual, não serve para nada", na descrição de Tanaka.
A maioria das mortes decorre de hipertensão ou de hemorragia. No primeiro caso, basta tomar a pressão da paciente, pesá-la e indicar uma dieta. Para hemorragia, banco de sangue é suficiente.
Benedita Pereira, 25, está no 8º mês de uma gravidez de alto risco e sentiu na pele a equação de que pré-natal é igual a nada. "Tive três sangramentos e no posto de saúde de Barueri me disseram que era mudança de lua", diz.
Não era. Pereira tem o que o obstetras chamam de placenta prévia, implantada perto do orifício de saída do bebê. Com sangramentos, tanto ela quanto o bebê podem morrer. Diagnóstico correto e soro na veia salvaram as duas vidas.
"Com medidas baratas, a mortalidade materna teria se reduzido", diz a demógrafa Elza Berquó, pesquisadora do tema.
O Ministério da Saúde toca o projeto "Maternidade Segura", que visa premiar as que têm menos mortes. Só não definiram ainda se o prêmio será um diplominha ou pagamentos mais polpudos.

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