São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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Dois anos de Real

VICENTE PAULO DA SILVA

Após dois anos de Plano Real a situação social no país piorou. Comparando-se o período entre julho de 94 e abril/maio de 96, a partir dos dados do IBGE e Seade/Dieese, houve uma piora na situação do emprego. A elevação do desemprego é resultado da política econômica de contenção do crescimento, combinada com a abertura comercial indiscriminada e a reestruturação produtiva selvagem.
Em julho de 94, data do início do Real, o desemprego no país era de 5,5% da PEA (População Economicamente Ativa), de acordo com o IBGE, e, somente para a Grande São Paulo, 14,5%, pelo Seade/Dieese. Essas taxas de desemprego já eram consideradas, naquele período, muito altas.
Em maio de 1996 a taxa de desemprego na Grande São Paulo atingiu 16,1% (1.368.000 desempregados); essa taxa só perde para o recorde de 16,2%, registrado no auge da recessão de 1992. Do mesmo modo cresceu a taxa de desemprego medida pelo IBGE, que foi de 6,03% no mês de abril/96.
Além do desemprego, o real também causou um aumento na rotatividade da mão-de-obra e no grau de informalidade. Segundo dados do próprio Ministério do Trabalho, o ano de 1995 teve a maior taxa de rotatividade da década, crescendo em todos os setores. Em 1995, só na Grande São Paulo, 3,5 milhões de trabalhadores (taxa de rotatividade de 42%) mudaram de emprego. Da mesma forma, ainda em 1995, segundo a PME (Pesquisa Mensal de Empregos - IBGE), nas seis principais regiões metropolitanas do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Salvador), tem-se em média apenas 51,1% da população ocupada com carteira assinada, enquanto em 1994 esse percentual era de 53%. Isto significa que, em apenas um ano, 1,8 milhão de trabalhadores perderam qualquer tipo de segurança no contrato de trabalho, especialmente os direitos à Previdência, em apenas um ano. Além do que esses trabalhadores também deixam de contribuir para o caixa da Previdência. A gravidade é ainda maior quando sabemos que, segundo o INSS, em 1995 ocorreram 424.137 notificações de acidentes de trabalho e doenças profissionais -10% a mais do que em 1994-, o equivalente a uma cidade do tamanho de Vitória, capital do Espírito Santo. Sem o contrato de trabalho, os acidentes não deixam de ocorrer -pelo contrário, podem aumentar-, mas não serão mais notificados, e as vítimas ficam desassistidas. E mais: a jornada de trabalho passa a não ter limites, já que não há nada que as regule - são trabalhadores informais. Todos sabemos que o aumento dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais estão relacionadas, entre outras coisas, com o aumento da jornada. Também neste aspecto, o Plano Real apresenta seus números: na indústria de transformação, o percentual dos que trabalham mais de 44 horas (jornada constitucional) saltou de 39,8 em 94 para 42,5 em 95; no comércio foi de 54,4 para 55,1 e nos serviços pulou de 33,3 para 35,9.
Com relação ao valor de compra do salário mínimo, este já não é mais suficiente sequer para comprar a cesta básica, que atingiu em São Paulo um valor pouco superior aos R$ 112,00 em maio de 96. Isso significa que mais de 10,8 milhões de aposentados e pensionistas (segundo o Ministério da Previdência Social, em 1995 71,48% dos aposentados e pensionistas recebiam um salário mínimo) e 19,3 milhões de trabalhadores da ativa estão sujeitos a uma condição de pobreza absoluta. E não estamos tratando aqui do abandono completo dos salários por parte do governo, com a "política salarial" imposta por FHC desde o ano passado.
Esse quadro de crescente deterioração das condições sociais é uma clara demonstração da já extrema flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro. Ao longo dos dois anos de Real ocorreu uma brutal eliminação de empregos formais e melhor remunerados, trocados por empregos precários (sem carteira assinada e temporário) e pessimamente remunerados, isso quando o trabalhador consegue uma nova colocação.
Nesses dois anos do Real ocorreu também um processo generalizado de falências e concordatas. Resultado, em grande medida, da política recessiva (juros absurdos e câmbio irreal) utilizada para manter a estabilidade de preços na economia. A elevada inadimplência das empresas reduz a capacidade de elevação significativa dos investimentos, fundamental para repor a economia na trajetória do crescimento sustentado e de geração de empregos, capaz de absorver não só o contingente atual de excluídos mas também incorporar os mais de 1,5 milhões de jovens que chegam anualmente no mercado de trabalho.
Assim, não basta somente estabilizar os preços. O plano de estabilização deve ser capaz de aliar a estabilidade ao desenvolvimento, com a geração de empregos e renda. Para isso, é urgente fazer da questão social o centro das política públicas e econômica, com a imediata reforma agrária, uma política agrícola orientada especialmente para a agricultura familiar (principal responsável pela produção de alimentos no país), uma política de incentivo aos investimentos produtivos geradores de empregos e da ampliação e melhoria dos gastos para a educação, saúde, formação e reciclagem profissional e da seguridade social.
E não basta o governo tentar nos enganar com dados falsos sobre a realidade econômica de nosso país, conforme denúncia publicada na Folha e em outros meios de comunicação. Portanto, a nossa greve geral nos coloca num novo patamar onde as propostas e as negociações serão levadas com um extraordinário processo de mobilização.
Preparemo-nos!

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