São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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Travesti tributário

OSIRIS LOPES FILHO

A aprovação pela Câmara, em primeira votação, da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), representa mais um "strip-tease" do governo.
O desnudamento realizado mostra uma vocação para a obtenção facilitada de recursos da população, via um tributo indecoroso na sua incidência, eis que não apenas significa um assalto legalizado na conta corrente da população, mas agrava todos os custos de nossa economia.
Não há limites para a voracidade arrecadatória governamental. O curioso é que, desta vez, um especialista na realização de melindrosos cortes cirúrgicos em órgão vital -o coração- tornou-se paladino do corte nos bolsos de todos os cidadãos residentes no país. Claro que no caso não se está utilizando da técnica da gilete ou da navalha, típico dos punguistas, que buscam, nos traseiros descuidados, o produto de sua atividade ilegal.
O Congresso, que tem sido responsabilizado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso de sabotar seu governo, mais uma vez atende aos ucasses governamentais, docilmente.
Fica evidente, embora alegue-se a finalidade altruísta da CPMF, que a tão propalada redução do "custo Brasil" é o que os saxões chamam de "wishfull thinking", ou, pior ainda, expediente do governamental marketing a iludir determinados setores da economia do país.
Incapaz de reduzir efetivamente seus gastos, a não ser mediante o arrocho salarial dos servidores, o governo federal manda mais uma conta para ser paga pela população.
A saúde do povo é algo estratégico. Não se discute isso. Mas os exemplos recentes da incúria federal em controlar a utilização moralizada dos recursos públicos no setor é uma vergonha. Os velhinhos sacrificados na clínica Santa Genoveva, as vítimas indefesas da hemodiálise em Caruaru estão a clamar que o problema não se soluciona apenas com a colocação de mais dinheiro à disposição de uma burocracia incompetente, para atendimento da indústria privada imoral que se montou para explorar a população.
Ocorre que novos problemas vão surgir. A CPMF não poderá ser cobrada neste ano. Embora se lhe dê o nome de contribuição, sua natureza jurídica é de imposto. O anterior IPMF é o modelo.
Neste mundo cada vez mais tolerante, o Supremo Tribunal Federal não vai admitir o travesti tributário. A CPMF tem natureza de imposto. Assim, se aplica o princípio da anterioridade da lei. Sua cobrança só poderá ser feita em 1997.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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