São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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Espionagem do Brasil é um relógio

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Se o nosso ilustre espião Jairo dos Santos diz que o Japão é um adversário tecnicamente fraco, quem sou eu pra duvidar?
Afinal, se há algo na seleção brasileira que vem funcionando como um relógio, desde 78, independendo de quem chefie a comissão técnica, é o nosso sistema de espionagem.
Quem começou com essa história, em 58, foi um sueco apaixonado pelo nosso futebol, Peter não-sei-do-quê (quem se lembra dessas coisas é o mestre Armando Nogueira), que passava à comissão técnica, comandada por Vicente Feola, dados sobre o futebol europeu.
Depois, passamos a adotar o princípio de que éramos os campeões do mundo.
Logo, eles é que deveriam nos espionar.
Até chegarmos ao paroxismo, em 74, de só mandarmos alguém dar uma olhada naqueles exóticos holandeses já às vésperas de defrontarmo-nos com eles, em Dortmund, Alemanha.
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Paulo Amaral era só músculos, voz trovejante, cenho franzido, tudo para esconder uma doce e ingênua alma. Enfim, o antiespião.
Assim, foi patética a cena de sua chegada à concentração brasileira, depois de ter ido ver os jogadores holandeses massacrarem os uruguaios.
Cercado pelos jornalistas, exibiu um maço de folhas rabiscadas de números e linhas, e tentou uma explicação tão confusa que concluiu com o mais singelo desabafo: "Querem saber? É uma confusão dos diabos. Só sei que eles jogam pra burro!"
Resultado: Holanda 2, Brasil 0, graças à deslumbrante atuação do nosso goleiro Leão.
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Dois anos mais tarde, em plena eliminatória para a Copa da Argentina, Cláudio Coutinho assumiu a seleção brasileira e levou consigo Jairo dos Santos, que, silenciosa e meticulosamente vem servindo a todos os treinadores que se seguiram.
E a lista é grande, de Telê Santana a Zagallo, passando por Carlos Alberto Parreira (duas vezes), Carlos Alberto Silva, Edu Coimbra, Sebastião Lazaroni (argh!) etc.
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Em todo caso, é sempre bom ficar de olho nesses olhinhos puxados que correm feito o diabo e que possuem uma disciplina atávica capaz de operar milagres.
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Ainda mais nesse calor abafado de Miami. Isso pode virar um inferno.
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A decisão da Copa dos Campeões do Mundo, vencida quinta-feira pelo tricolor, bem que pode ser uma premonição da final do Brasileirão: neste exato momento, Flamengo e São Paulo praticam um futebol alegre, ofensivo, vistoso e, ao mesmo tempo, competitivo.
E o Flamengo ainda terá Bebeto e Sávio, embora perca Romário.
E como joga esse Romário...
A propósito, dois destaques -a plena recuperação de Axel, um dos mais completos médios do nosso futebol, e a ironia da sorte de Muricy Ramalho, técnico bicampeão do torneio.
Muricy herdou de Telê, que não queria contratações de vulto (nem mesmo a volta de Muller), aquele bagulho de time do primeiro semestre.
Mesmo assim foi vice-campeão paulista, ouvindo, a cada jogo, a torcida gritar por Telê.
Quando consegue remontar a equipe ao seu feitio, tem de servi-la de bandeja para Parreira.
É um insulto a uma das maiores vocações para treinador dos últimos tempos no nosso futebol.

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