São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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Gertrude Stein

AUGUSTO DE CAMPOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mesmo a poesia concreta brasileira relutou em colocá-la no seu paideuma (ou elenco de autores que serviriam de "nutrição de impulso" ao movimento), constituído, afinal, basicamente, por Mallarmé, Joyce, Pound e Cummings, embora Décio Pignatari, já no manifesto "nova poesia: concreta", de 1956, mencionasse com destaque a frase-lema "rose is a rose is a rose is a rose". O polilinguismo, os neologismos, as fragmentações vocabulares e as estruturas "verbivocovisuais", decorrentes do elenco básico, caracterizam as primeiras manifestações da nossa poesia concreta. Mas, já em 56, a molecularidade sonorista de criações como tensão ou terra aproximava os brasileiros do minimalismo idiomático de certas pesquisas steinianas.
Por outro lado, homenageei o centenário de nascimento da escritora em "Gertrude É uma Gertrude" -publicado primeiro no "Suplemento Literário" do jornal "Minas Gerais" (20/7/74) e depois na revista "Através" nº 3 (1979) e em "O Anticrítico" (1986). Por fim, traduzi alguns dos seus "portraits" no livro "Porta Retratos: Gertrude Stein" (Noa Noa, 1990), agregando-lhes uma "intradução" ("intra", não "intro") -o poema "rosa para gertrude".
Dou dados e datas para municiar o eventual leitor interessado. Foi sempre parca a divulgação de sua obra entre nós. Mário Faustino verteu, pioneiramente, entre setembro e outubro de 1957, em vários números do "Suplemento Literário" do "Jornal do Brasil", o estudo "Poetry and Grammar", que, no entanto, não veio a ser incluído nas posteriores coletâneas dedicadas ao poeta, morto prematuramente. Em 1965, a Editora Cultrix lançou "Três Vidas", em tradução de Brenno Silveira e José Paulo Paes. A revista "Código 8" (1983), da Bahia, estampou fragmentos de "Melanctha", o mais experimental dos contos de "Três Vidas", numa apurada versão de Caetano Veloso. Duda Machado resenhou com sensibilidade as duas autobiografias. Em algum ponto do caminho, Lívio Tragtenberg recriou alguns trechos de "Four Saints in Three Acts". Recentemente, Adriana Calcanhoto incluiu no seu último CD ("A Fábrica do Poema") um trecho de "Portrait of Picasso" na voz da própria Gertrude (traduzido no encarte por Susana Moraes). Nada mais, ou nada de muito mais, que eu saiba.
Nos seus escritos radicais, Gertrude pratica a prosa mais abstrata e abstrusa que se possa conceber. Em "Tender Buttons" (Botões Tenros e/ou Ternos), publicado em 1914, mas iniciado em 1911, e portanto notável pela sua precedência experimental, a semântica dos textos não trata nem sequer de corresponder aos seus títulos:
"Um Selo Vermelho
Se lírios são brancos como lírio se eles exaurem barulho e distância e mesmo pó, se eles poentos sujam uma superfície que não tem grande graça, se eles fazem isso não é necessário não é de todo necessário se eles fazem isso precisam de um catálogo.
Um Método de um Casaco
Uma única subida a uma linha, uma direta permuta para uma bengala, uma desesperada aventura e coragem e um relógio, tudo isso que é um sistema, que tem sentimento, que tem resignação e sucesso, tudo faz atrativa uma prata preta.
Uma Garrafa, Isto É um Vidro Cego
Uma espécie em vidro e um primo, um espetáculo e nada estranho uma única dor ferida e um arranjo em um sistema para apontar. Tudo isso e não ordinário, não desordenado em não parecer. A diferença está se espalhando".
Dadá chegaria lá. O "automatismo psíquico" dos surrealistas de anos depois não foi mais longe. Antes vulgarizou e retoricizou as propostas steinianas, cobrindo a nudez chapada de suas frases sem sentido com brilharecos metafóricos e histerismo verbal.
Mais adiante, nos "retratos" e em outras obras, Gertrude expandiu a sua fraseologia, modelando a repetição e, nos momentos mais significativos, concentrando seus experimentos em vocábulos de poucas sílabas, ou mesmo monossílabos (que o idioma inglês lhe permitia explorar), e criando uma espécie de "inglês básico" literário. Estava interessada, também, no que chamava de "presente contínuo", algo que perseguia desde "Melanchta" e que a levaria a privilegiar os verbos, especialmente em formas gerundiais, e as reiterações -artifícios linguísticos que sugeririam uma dilatação ou prorrogação indefinida do momento, paralisando a ação em várias inflexões do mesmo ato. Como observou Wendy Steiner ("Exact Resemblance to Exact Resemblance", 1978), a articulação das frases em unidades similares age anti-sintaticamente, tornando difícil a integração de tais frases sem múltiplas leituras ou mesmo análises das relações entre as cláusulas. Essa dissolução da frase, que interfere com as relações de tempo e de espaço, é um indiscutível feito de Gertrude, revelando-se ainda hoje rica de sugestões. Mas a prolixidade sempre foi o seu maior defeito. Chegou ao máximo em "The Making of Americans", em que ela faz, por assim dizer, a autobiografia da sua família enquanto protótipo da família americana. Aqui as mais banais descrições caracterológicas são repisadas com mínimas variações em redundâncias recorrentes que se acumulam ao longo de quase mil páginas na platitude sem relevos de uma planície aparentemente sem fim.
Nos mais sucintos "portraits" (Picasso, Matisse e tantos outros) ela consegue, a meu ver, dosar melhor suas reiterações e contextualizá-las mais consequentemente, sem deixar de manter uma independência temática, atingindo resultados únicos e elaborando o que se poderia chamar, talvez como a nenhuma outra criação textual, de prosa "cubista": como que visualiza de várias perspectivas simultâneas o mesmo fato. Curiosamente, Gertrude não faz da palavra, e muito menos da letra, mas da frase (a sentença, o parágrafo) a célula-mater do seu discurso. Desdobrada, primatizada, refratada em várias torções de posição, mas não pulverizada, é sempre a sentença que constitui o foco do seu discurso. No entanto, em alguns momentos, a repetição das partes do discurso (incluindo, sem preconceitos, conectivos, preposições e outras "partes fracas" das orações), aliada à exploração das sonoridades minimalistas do idioma, faz aflorar, molecularmente, a palavra, submetida a uma inédita microscopia. Veja-se o início de "Van ou Vinte Anos Após (Um Segundo Retrato de Carl Van Vechten)", de 1923, que dou no original, insubstituível e, a seguir, numa tentativa de recriação não-literal que busca manter em português a sua elevada taxa monossilábica:
"Twenty years after, as much as twenty years after in as much as twenty years after, after twenty years and so on. It is it is it is it is, as if it. Or as if it. More as if it. As more. As more, as if it. And if it. And for and as if it" (Vinte anos após, tal qual vinte anos após tal qual tal vinte anos após, após vinte anos e tal. É e é e é e é, tal qual se é. Ou se tal se é. Mais se qual se é. Qual mais. Qual mais, se tal se é. E se é. Se tal qual se é.").
Já a poesia propriamente "poética" de Gertrude Stein, tal como praticada em "Stanzas in Meditation" (1932), parece menos interessante: um discurso semiconfessional, canhestro e sem brilho, aqui e ali animado pelos ritmos e rimas ingênuos das "nursery rhymes", que repontam, com mais graça, em outras obras: "when this you see remember me". Como ela mesmo as definiu, suas "Stanzas" constituem "a real achievement of the common place", um monumento do lugar-comum. Melhoram, quando os monossílabos são de novo convocados: "One and one/ Or not which they were won/ I won".
Pound, que nunca demonstrou simpatia pelas abstrações steinianas, e que também não aceitava o "Finnegans Wake", passou a unir Gertrude e Joyce na mesma visão negativa, quando este iniciou a sua "work in progress" (que Pound chamava de "in regress", afirmando, em mais de uma ocasião, estar cheio da "diarréia do inconsciente" de ambos -o "dear Jim" e a "oedipus Gertie"). No seu jargão típico, dizia a Zukofsky numa carta de 5/3/28: "Gertie and Jimmie both hunting for new langwitch, but hunting, I think, in wrong ash-pile". Não conheço registro expresso da opinião de Joyce sobre Gertrude. Limitou-se a parodiá-la, gozativamente, numa de suas cartas. Vizinhos, em Paris, só se encontraram uma vez e, nessa ocasião, apenas trocaram palavras formais.
Cummings, a cuja poesia ela nunca se referiu, mas de quem afirmou apreciar "The Enormous Room", interessou-se, quando ainda muito jovem, por "Tender Buttons". Na conferência de sua formatura em Harvard, em 1915 (tinha 21 anos), citou exemplos do livro, provocando risos da platéia, e o defendeu com brio: "Gertrude Stein é uma futurista que subordina o significado das palavras à beleza das próprias palavras. Sua arte é a lógica da pintura sonora literária levada ao extremo. (...) A pergunta surge agora: O Quanto de tudo isso é realmente Arte? A resposta é: Não sabemos. Os grandes homens do futuro sem dúvida aproveitarão da experimentação do presente período, pois esta mesma experimentação é o desdobramento lógico das tendências sonoras. Que a conclusão, num caso particular, seja o absurdo não desnatura o valor do experimento desde que se trate de um esforço sincero. A Nova Arte, ainda que desacreditada por faquires e fanáticos, aparecerá no seu espírito essencial ao crítico despreconcebido como uma exploração corajosa e genuína de caminhos não palmilhados".
Perguntado, anos mais tarde, por Charles Norman sobre o que achava de Gertrude, afirmou: "Eu tentei lê-la. Posso sentir algumas coisas, mas ela não me dá tantas coisas como dá a algumas pessoas. Ela é um símbolo, um excelente símbolo, como uma coluna de cimento Portland. Não se pode mexê-la. Os filistinos trombam com ela e se ferram". E, ainda, numa carta: "...I tried to read a hugely fat hyperopus stuffed-to-burst with repetitions & labelled The Making of Americans; finally quitting at page thirtysomethin", o que, com alguma liberdade, se poderia verter por: "Tentei ler um gravidamente gordo hiperopus cheioatéaboca de repetições & rotulado The Making of Americans, pulandofora finalmente à página trintaealgumacoisa".
O que a separa, definitivamente, de Joyce, Pound e Cummings é que nestes há uma fundamental articulação temática, as dificuldades de leitura derivando quase sempre de elipses estilísticas ou de obscuridades de referência. Mesmo na areia movediça do Joyce todo-experimental de "Finnegans Wake" há uma coerência básica de motivos, uma "ratio" semântica que sanciona os mais estapafúrdios trocadilhos. Aqui, as referências não são disparatadas, mas se empilham por associação, segundo grandes linhas temáticas -por exemplo, as quedas de Adão, de Napoleão, de Humpty Dumpty, de Lúcifer, de Finn McCool, o crack da Bolsa etc. etc. Tudo (ou quase tudo) se esclarece através de "chaves" temáticas. Compare-se, por exemplo, o trocadilho joyceano "O'Neill saw queen Molly's pants" (tradução fônica do francês "Honni soit qui mal y pense") com procedimento semelhante adotado por Gertrude na frase "Give known or pin ware" (por Guillaume Apollinaire). Enquanto o inglês sobreposto por Joyce deforma a divisa da Ordem da Jarreteira numa franca tirada joco-erótica, que alude a um dos temas do "Finnegans Wake" (o voyeurismo do personagem HCE), a menos hábil transliteração sonora de Gertrude não gera mais que uma cadeia gratuita de palavras desconexas, por mais que Wendy Steiner se esforce por justificá-las. A incongruência semântica, de par com a incontinência verbal, resulta inevitavelmente numa maior fragilidade dos textos steinianos.
Em que pese o valor da experiência enquanto experiência, essa fungibilidade dos textos -pode-se subtrair, alterar ou acrescentar palavras sem maior dano- torna-os vulneráveis do ponto de vista técnico e artístico. Joyce, ao contrário, pretendia poder justificar cada sílaba do seu livro. Como afirmam Joseph Campbell e H. M. Robinson, os autores do clássico "A Skeleton Key to Finnegans Wake", "em meio a um mar de incertezas, de uma coisa podemos estar certos: não há sílabas sem sentido em Joyce". A legibilidade relativa dos "Cantos" ou do "Finnegans Wake" é fruto de dificuldades referenciais e é largamente compensada pela sua pregnância artística, que rende momentos de alta voltagem, como, digamos, o episódio das lavadeiras ("Anna Livia Plurabelle") no "FW", os primeiros "Cantos" e o "Canto XX", o "Canto da Usura" ou a maioria dos Pisanos, nos "Cantos". Já "Tender Buttons" ou "The Making of Americans" carecem de situações pregnantes. A ilegibilidade dos textos não provém de condensações semânticas, mas da sua insignificância, por carência de significado no primeiro caso, ou por excesso de loquacidade e redundância, no segundo.
Tudo somado, parece difícil fugir à apreciação feita por Edmund Wilson, em 1931, no seu "O Castelo de Axel" (aqui citado na tradução de José Paulo Paes). O crítico foi capaz de perceber tanto a grandeza quanto a fragilidade da escritora, assinalando-lhe a "auto-hipnose ruminativa", "a degenerescência adiposa de sua imaginação e de seu estilo", mas vendo-a, afinal, generosamente, como "o grande Buda piramidal, segundo a estátua que Jo Davidson fez dela, a ruminar plácida e eternamente o desenvolvimento gradual do processo de ser, a registrar as vibrações de uma região psicológica, qual augusto sismógrafo humano cujos gráficos não aprendemos a ler", para concluir que "sempre que lhe percorremos os livros, por ininteligíveis que nos possam parecer, sentimos a presença de uma personalidade literária de inconfundível originalidade e eminência".
Sim. Apesar das restrições, Gertrude continua a interessar-nos.
Para mim, mais do que qualquer outra intervenção literária -mais até do que o minimalismo da poesia concreta, cujos pressupostos se acham também em outras fontes e em outras leituras da modernidade-, foram os métodos de acaso do grande músico (e grande poeta por acaso) John Cage que vieram recuperar o interesse criativo em torno de Gertrude, algo totalmente distinto das simpatias mais ou menos folclorísticas que rondam suas autobiografias ou do nebuloso mimetismo que anima os epígonos ortodoxos da sua escritura não-referencial que emergiram nas últimas décadas nos EUA.
A desreferenciação steiniana ressurge nos choques inesperados e nas súbitas descobertas das práticas de indeterminação aplicadas por Cage aos seus próprios textos literários, em particular a muitos dos seus "mesósticos" (metatextos que se perfazem por processos aleatórios de colagem de fragmentos de outros autores, como Thoreau, Joyce e o próprio Cage). Particularmente nos reunidos em "Empty Words" (Palavras Vazias), título que já denota o esvaziamento semântico que caracteriza tais textos. Mas nos melhores momentos Cage realiza, a seu modo, uma síntese dos modernistas radicais que se constituíram nos seus autores de cabeceira: "Joyce, você sabe, foi o meu principal 'inspirador'. Houve também Gertrude Stein. E, desde os meus anos de colégio, sempre admirei muito Eliot, Pound e Cummings. Mas Joyce e Gertrude Stein permanecem, para mim, os mais importantes" -declarou ele a Daniel Charles ("For the Birds", 1976). Nas suas séries de "Diários (Como Melhorar o Mundo, Você Só Tornará as Coisas Piores)", que embutem reflexões, opiniões e anedotas exemplares em cadeias paratáticas de citações e diálogos, Cage parece fundir o "nonsense" steiniano às técnicas colagísticas dos "Cantos" poundianos. E em alguns dos seus últimos e mais fragmentários "mesósticos", como as conferências de Harvard, de 1990 ("I-VI - The Charles Eliot Norton Lectures", 1988-89), que constituem quase um testamento poético, Stein e Pound, Joyce e Cummings como que convergem em cachos de sílabas, palavras e frases, aparentemente sem nexo, mas na verdade referidos a blocos textuais de citações colageadas por processos aleatórios de seleção.
A "chance poetry" cageana, com suas implicações auditivas (Cage gravou vários dos seus textos), me faz refletir sobre um modo de compensar a fragilidade estrutural das redundâncias steinianas. Talvez os seus textos devam ser encarados mais como "librettos" (como os "ouviu" Virgil Thomson) do que como obras definitivas, ou definitivamente fixadas no papel. Ou como "letras" (na acepção de letras de música), mais próximas da conversa e da fala do que da poesia escrita ou estrita. Gertrude afirmava que preferia ouvir com os olhos. Quem sabe não devamos "lê-la" com os ouvidos. Nesse sentido, são exemplares e iluminadoras as composições de Thomson, trazendo à tona, explicitamente, a sonoridade das palavras dos textos de Gertrude. Quando ouvimos "Capital Capitals" ou "Four Saints in Three Acts" não nos fixamos no número de repetições, mas na transbordante musicalidade que brota desses textos exploratórios e imprevistos. A música retifica o número. Quantidade vira qualidade. Projetadas, de vez, na dimensão oral e temporal, as criações steinianas livram-se das exigências da fixidez gráfica e espacial do texto-livro, no qual, como ocorre com as letras e os libretos de música, elas se fragilizam, carentes de imantação estrutural.
Talvez já se possa pensar também em recuperar a "dignidade" de suas "steinografias", por mais que as tiradas paranóicas as diminuam e a ligeireza da tagarelice autobiográfica limite o seu alcance. Tecnicamente, são "obras difíceis", que o equilíbrio fantástico entre banalidade e sofisticação, conversa e desconversa, e a dosagem mais moderada de redundância tornaram aparentemente fáceis, mas que permanecem "difíceis", o que não deixa de ser um "tour de force" apreciável. Como disse a própria Gertrude pós-autobiografia de Alice B. Toklas: "Posso ser aceita mais do que fui mas posso ser rejeitada quase tanto".
"Einstein was the creative philosophic mind of the century and I have been the creative literary mind of the century." "I don't care to say whether I'm greater than Shakespeare, and he's dead and can't say wether he's greater than I am. Time will tell." Não. Gertrude não é a maior criadora literária do século, comparável ao maior cientista do século, nem chega aos pés de Shakespeare, por mais que a sua anedótica megalomania a tenha induzido ao disparate dessas comparações. No espelho de "rainha má" dessa "bad girl" da vanguarda aparecem sempre, no mínimo, duas sombras: Joyce e Pound, os seus rivais inatingíveis. Mas o simples fato de poder ombrear-se com eles, além de tê-los precedido cronologicamente, lhe dá uma posição ímpar no quadro da modernidade. Ela, que em 1931, no mesmo ano em que Pound publicou "How to Read", contrapôs-lhe um "How to Write", acabou consciente ou inconscientemente se avizinhando do HCE (Here Comes Everybody) da "work in progress" joyceana ao titular a sua última autobiografia. Juntando tudo, poderíamos concluir, formulando esta resposta sem pergunta no ocaso-acaso do século: "How to Read or How to Write. Here Comes Everybody's Autobiography".
Mas a história não termina aí. No fundo do espelho, há mais uma sombra -quem sabe maior do que todas as outras. Uma sombra que Gertrude não viu, talvez porque, como ela afirmou na "autobiografia de todo mundo", não estava interessada na língua francesa como literatura e portanto não a lia. Pior para ela. Em 1897, quando Gertrude era ainda apenas uma descuidada estudante de medicina, a "creative literary mind" de um poeta francês, aliás obscuro professor de inglês, publicava em Paris uma obra sem precedentes -"Um Lance de Dados"-, por ele mesmo indefinidamente definida como "nada, ou talvez uma arte". Um nada que iria mudar o rumo da poesia deste século. Sem alarde, há cem anos, recuando o marco do século 20, o Einstein da poesia já havia surgido.

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