São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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A palavra exata

AUGUSTO DE CAMPOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O curto texto de "A Portrait of One. Harry Phelan Gibb", incluído no volume "Geography and Plays" (1922), constitui, a meu ver, pela concisão e precisão, um dos mais eficazes "retratos" de Gertrude Stein. Não sem razão tem-se associado a linguagem da escritora à dos pintores cubistas, eles próprios tematizados em alguns desses "portraits". A técnica minimalista da repetição com ligeiras variantes, objetivando o que Gertrude denominou de "presente contínuo" ou "presente prolongado", produz um resultado que tem mais de uma analogia com os procedimentos cubistas de dissociação e abstração da figura. No estudo "Exact Resemblance to Exact Resemblance" (Yale University Press, 1978), Wendy Steiner assinala a extrema redundância de "A Portrait of One" (das 141 palavras do original há apenas 18 diferentes e 15 delas são apresentadas no primeiro parágrafo). Exemplificando com a proposição: "Está sofrendo, está sofrendo e conseguindo esperar que conseguir dizer que está conseguindo esperar é alguma coisa", afirma ela: "Embora cada cláusula aqui acresça nova informação e embora a frase completa imite claramente a tortuosidade, o 'sofrimento' da luta de Gibb pela expressão, a acumulação extremamente complicada de cláusulas subordinadas milita contra a transparência da referencialidade". Os "retratos" de Gertrude têm pouco a ver diretamente com qualquer descrição das personalidades que os rotulam, as quais parecem quase sempre mais objeto de uma dedicatória do que de um retrato propriamente dito. Quando os retratados são Picasso ou Braque ou Duchamp a tipologia parece explicitar-se indiretamente por meio de afinidades estilísticas, ganhando coerência. No caso do texto aqui traduzido, não importa muito saber quem foi esse Harry Phelan Gibb (um pintor inglês, amigo de Gertrude). Poderia ser o HCE (Here Comes Everybody, ou Aqui Vem Qualquer Um) de Joyce. A distensão temporal provocada pelo "presente contínuo" imanta todo o texto de uma iconicidade agressiva que hipnotiza e contagia, fazendo-nos participar intensamente do "sofrimento" desse HPG (ou qualquer um) em busca da palavra exata.

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