São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 1996
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"MST é mais eficiente do que todos nós", diz Hafers

BRUNO BLECHER
EDITOR DO AGROFOLHA

Fazendeiro de café no Paraná e no oeste da Bahia, Luiz Marcos Suplicy Hafers, 60, assumiu há quatro meses a presidência da Sociedade Rural Brasileira e ainda se sente pouco à vontade com a rotina do cargo.
"Aqui você precisa entender de tudo", diz ele, que não esconde a sua preferência pela vida no campo. "Sou um sujeito rústico."
Pioneiro no adensamento do café no Paraná, Hafers agora está plantando 1 milhão de pés no cerrado baiano.
"Lá o preço da terra é baixo e não há risco de geada", diz.
No último dia 10, Hafers esteve no Palácio do Planalto, em companhia dos presidentes da Confederação Nacional da Agricultura e da Organização das Cooperativas Brasileiras, para levar ao presidente FHC a preocupação do setor rural com as invasões de terra.
O documento, assinado pelas três entidades, propõe a utilização do Imposto Territorial Rural (ITR) como instrumento de modernização da estrutura fundiária.
"Grandes áreas de terras, ainda improdutivas, precisam ser fortemente taxadas. É preciso arrecadar terras por meio da cobrança de inadimplência de grandes proprietários", recomenda o documento.
Em entrevista à Folha, porém, Luiz Hafers mostrou-se cético sobre a possibilidade de sucesso dos assentamentos.
"Melhor e mais barato seria criar empregos no campo com a expansão da agricultura", disse.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
*
Folha - O documento que as entidades rurais entregaram ao presidente Fernando Henrique Cardoso coloca a reforma agrária como prioridade. Mudou a posição dos fazendeiros em relação aos sem-terra?
Luiz Marcos Suplicy Hafers - O problema dessa gente existe e é grave. O que os sem-terra querem é uma vida digna. Mas o problema é social e não agrícola. E a agricultura é parte da solução e não parte do problema. Eu concordo com o problema e discordo da solução proposta, que é dar dez ou 20 hectares de terra. Tenho muita vivência no interior. Gosto de viver no mato, sou um sujeito rústico. E sei que esse pessoal é muito melhor do que se imagina. Mas se você está desesperado, sem emprego, não tem educação e nem saúde, e vem alguém com uma bandeira vermelha para lhe dar esperança, você vai atrás. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, foi o único que deu esperança para esse pessoal. Ainda que, a meu ver, uma esperança equivocada. Nós não devemos brigar com o MST, nós devemos brigar sim é com o problema. Temos que resolvê-lo. Ele existe e é grave, urgente.
Folha - Mas como resolver esse problema?
Luiz Hafers - A primeira maneira é reconhecer o problema. Nós todos temos uma vontade católica portuguesa de arrumar culpados e não soluções. Se a culpa desse problema for minha, sua, do MST, do governo ou do diabo, isto não muda o problema. Temos que achar a solução. E ela não é universal. Ela passa primeiro pela expansão da agricultura. Grande parte dos sem-terra é desempregada. A importação do algodão, por exemplo, acabou com as lavouras e criou 200 mil desempregados no campo. É essa gente que dá legitimidade para os acampamentos. O MST trabalhou muito bem. Deu uma cesta básica para esse pessoal e esperança. Muito mais que nós, empresários, ou o governo fizemos. A solução dessa gente passa pelo emprego. O trabalhador quer uma vida digna. Criar emprego é a maneira mais eficiente de se conseguir isso. A reforma agrária no México, por exemplo, foi um desastre. Sai mais barato e é mais fácil expandir o nível de emprego. Com apenas US$ 10 mil de investimento, podemos criar um emprego decente. Você pode dizer que o sujeito vai ganhar pouco. É melhor ganhar pouco do que não ganhar nada. Ele vai ter toda proteção, que pode parecer paternalista. Vai ter casa, escola, comida, luz, dentro da fazenda.
Folha - Mas hoje praticamente não existe mais empregados morando na fazenda?
Luiz Hafers - Mas no café está voltando. O empregado mais caro que existe é aquele que ganha pouco e não faz nada. Prefiro ter um empregado que ganha muito e faz muito. A minha mão-de-obra ganha 15% a mais do que a média do município, as casas são melhores e eles têm uma série de vantagens. Uma solução interessante é a agrovila desenvolvida pelo governador Jaime Lerner no Paraná. O sujeito ganha um pedaço de terra suficiente para criar galinhas e plantar uma horta e também trabalha como bóia-fria.
Folha - E o assentamento. Também não é uma solução?
Luiz Hafers - É a solução mais difícil e cara. O problema não é a terra. Terra tem muita. O problema da briga da terra tem origem num coronelismo cultural, contra o qual eu me insurjo constantemente. Às vezes me acusam de xenófobo, mas não é verdade. A reforma agrária tem que ser feita. Terra não é problema, o problema é a administração. A execução da reforma é complicada.
Folha - Os associados da Sociedade Rural também concordam com a necessidade da reforma agrária?
Luiz Hafers - O termo, que causava arrepios à parcela mais conservadora, não assusta mais. Nós aqui na Sociedade Rural fizemos um esforço de conscientização de que o problema existe e deve ser resolvido. Acho que a maioria dos fazendeiros tinha uma visão equivocada do problema, porque a reforma agrária era colocada como uma invasão as suas casas. O suposto fazendeiro conservador também vê a miséria no campo. Você acha que a gente é insensível a isso? Será que é preciso ser muito inteligente para perceber que essa gente não é vagabunda? É gente que quer crescer na vida. Gente que vê TV e sabe que o mundo é melhor do que estão lhe prometendo. Nós não somos nem insensíveis nem burros. Agora, existe sempre o radical. Tanto de um lado, como do outro. É puro medo. Só as pessoas seguras sabem negociar.
Folha - Mas as invasões continuam causando arrepio aos fazendeiros?
Luiz Hafers - Lógico. A violência não pode ser aceita. Eu conheço dois líderes do MST, o Gilmar Mauro e o João Pedro Stédile. O Stédile é muito inteligente e tenho admiração por pessoas inteligentes. Já o Gilmar Mauro é fundamentalista. Ele é um sujeito com muito ressentimento. E ressentimento é mau conselheiro. O Gilmar acha que só se faz reforma agrária tirando a terra de quem tem. Ele quer tirar a terra. Eu não. Quero transformar o pobre em rico. Quero que todos esses sem-terra sejam sócios da Sociedade Rural Brasileira. Eles são meus parceiros, porque querem apenas dignidade e decência.
Folha - O conceito de terra improdutiva está claro?
Luiz Hafers - É outra coisa que causa angústia e aumenta o radicalismo. O imaginário coletivo urbano acha que a cadeia alimentar começa no supermercado. Eles não tem idéia do que é a agricultura. No Paraná, eu coloco duas cabeças por hectare de pasto. No cerrado baiano, ponho uma cabeça a cada oito hectares. Sabe qual é o mais eficiente? A Bahia. Lá a terra é mais barata. Na Bahia, sou mais eficiente do que no Paraná, mas na contabilidade a fazenda baiana parece menos eficiente. O conceito de terra produtiva deve ser rediscutido.
Folha - Uma das propostas da SRB é usar o Imposto Territorial Rural (ITR) como instrumento da reforma agrária. Como funciona?
Luiz Hafers - O primeiro passo é fazer do ITR um imposto decente. Depois é preciso transformá-lo num imposto punitivo. Grandes áreas de terras ainda improdutivas precisam ser fortemente taxadas. E acho que estamos fazendo um favor para o fazendeiro, porque terra como reserva de valor é burrice. E o mercado vai varrer o incompetente. Só que o mercado é mais demorado do que a pressão social exige.
Folha - Quando a agricultura conseguirá sair do atoleiro?
Hafers - A agricultura está hoje na UTI. Vai levar de três a quatro anos para sair da crise, com certeza. A agricultura precisa de equalização e não de proteção. Ela quer igualdade. Veja o caso do algodão. Nós produzimos igual aos outros, mas na hora de vender, a coisa complica. O Brasil importa algodão com 8% de juros ao ano. Numa lavoura mais moderna, o custo do capital é muito importante. O meu concorrente tem custo de 5% e o meu custa 30%. E eu que sou incompetente?

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