São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 1996
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Notícias da China

JOÃO SAYAD

Pascal dividia os homens entre os que tinham espírito de "finesse" e espírito de geometria. Hoje poderíamos dividir os homens entre os de cabeça financeira e os de cabeça empresarial.
Há uns dois meses a "Business Week" publicou reportagem muito interessante sobre a perspectiva dos preços agrícolas nos mercados mundiais.
A China, que vende brinquedos a preço de banana, está ficando mais rica, e passa de exportadora a importadora de grãos. A Rússia, grande produtora de grãos, está em tal confusão econômica e política que passa a ser compradora de grãos no mercado mundial.
A Europa mudou a política agrícola e passa a taxar a exportação de produtos agrícolas. O consumo de carne cresce no mundo inteiro, apesar de os ricos educados comerem menos.
Em resumo, depois de muitos anos os preços agrícolas vão crescer mais rapidamente do que os outros preços.
Como reagir a essas notícias? Para uma cabeça financeira, as notícias são ruins. Lá se vai o preço do frango, símbolo do real, e atrás dele os preços em geral.
O financista, como o presidente do Federal Reserve americano, reagiria rápido. Se o preço das commodities vai subir, a inflação vai subir. Remédio: taxas de juros mais altas.
No Brasil, a reação das cabeças financeiras pode ser igual. Frango mais caro, reação imediata: corte no déficit público, taxas de juros mais altas, nível de crescimento menor.
As cabeças empresariais pensariam de forma absolutamente diferente. Se os preços agrícolas vão subir, temos oportunidade para aproveitar a tal da vocação agrícola que desde Ricardo, passando pelo Walter Rostow nos anos 60, atribuíam ao Brasil.
Temos muitas áreas de cerrado para cultivar, capacidade para aumentar a produtividade das lavouras de milho, soja e outros cereais, e podemos aproveitar essa evolução do mercado mundial para aumentar as exportações.
Recomendações: investir em transportes, rodovias e ferrovias, ou seja, déficit público. Garantir a oferta de crédito rural. E preparar o país para aproveitar essa mudança de mercado, ganhando em exportações.
É um déficit público gasto em trilhos, asfalto e guindaste, muito mais barato do que o déficit público decorrente do acúmulo de reservas.
E os dólares das reservas podem voar para Nova York, enquanto trilhos e guindastes são fincados fundos na terra e não podem viajar.
Não se trata de resgatar a idéia de país essencialmente agrícola. Nem se imagina que possamos atrelar a política de crescimento do país ao crescimento da agricultura.
Afinal de contas, o tamanho do estômago e os padrões de consumo impedem que se construa um país em cima do setor agrícola. E na agricultura, onde somos competitivos, é que se concentram as políticas protecionistas dos outros países.
Trata-se de aproveitar a oportunidade, de pensar estrategicamente sobre o país num momento em que a indústria nacional sofre com falta de tecnologia, taxas de juros altas e câmbio sobrevalorizado.
Se vamos aproveitar a oportunidade ou não, depende da disputa entre cabeças financeiras e cabeças empresariais. Cabeças financeiras podem atrapalhar muito, impedindo o financiamento da agricultura, atrasando os investimentos em transportes e aumentando as taxas de juros.
Empresários são pessoas estranhas -irracionais, apaixonadas, gostam de aventura. Precisamos pensar como o Eliezer Batista, que acabou inventando a Vale do Rio Doce e que hoje se dedica a planejar outras loucuras, como redes telemáticas para a América Latina. São loucuras que se tornam realidades.
Se as cabeças empresariais vencerem, acabaremos comendo frango um pouco mais caro, o que é inevitável, mas muito mais felizes.

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