São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 1996
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No rock, ser louco era ser normal

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Só existe um modo de o homem ficar automaticamente próximo de Deus: usando as mesmas roupas todo dia, 24 horas por dia.
Maus fluidos, invisíveis, contaminam nosso dia-a-dia. A melhor proteção é enrolar uma toalha na cabeça, ainda que ela esteja imunda, amarelada de tanto enxugar o suor de um baterista.
A importância cósmica da toalha é imensa e, por isso, pode ser usada em qualquer lugar. Até durante um jantar em um restaurante de alto luxo, na companhia de duas gatas maravilhosas e muito ricas.
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Por incrível que pareça, os parágrafos acima não são obra de ficção. Relatam fatos reais, protagonizados por Scott Asheton, o baterista dos Stooges, aquela banda que inventou o punk na Detroit industrial do fim dos anos 60.
O vocalista dos Stooges era um cara de futuro, ninguém menos do que o homem-iguana, James Osterberg, ou Iggy Pop.
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E são sobre Iggy e os Stooges as melhores histórias de um livro recém-lançado, talvez o melhor de todos os tempos com reportagens sobre rock: "Dark Stuff" ("coisa preta"), do lendário jornalista inglês Nick Kent.
Herdeiro legítimo de um tipo de jornalismo musical criado nos EUA pelo crítico Lester Bangs, Kent produz principalmente relatos em primeira pessoa, manda às favas parâmetros jornalísticos do tipo "objetividade" e, acima de tudo, escreve com maestria.
Trabalhando para publicações inglesas e americanas, Kent conviveu com todo mundo que faz algo de importante no rock de 1970 até hoje. De Rolling Stones a Brian Wilson. Dos Smiths a Kurt Cobain.
Ele andava com os caras, ficava amigo, brigava, enfiava o pé na jaca nas mesmas baladas. Quase se matou querendo acompanhar os embalos do stone Keith Richards.
Como jornalismo, não tem valor algum, porque tendencioso, vingativo, impressionista. Mas interessa -e muito- como literatura.
Quem mais, a não ser Nick Kent, poderia contar tão bem histórias cavernosas e desconhecidas de Syd Barrett, o gênio alucinado do Pink Floyd?
Segundo Kent, Barrett chegou a tal ponto de demência que, antes de entrar no palco, moía dezenas de comprimidos do tranquilizante Mandrax, misturava o pó com gel para cabelo e só entrava no palco depois de esfregar a gosma na cabeça.
Sabe Deus o que Barrett pretendia com tamanha estultice.
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O livro de Kent tem muito mais. Bizarrices dos Beach Boys, casos nebulosos de Lou Reed, Miles Davis, Jerry Lee Lewis, Neil Young.
Lembranças de um tempo de contrastes, acirramentos, do bem contra o mal. Em resumo, lembranças de um tempo muito mais legal do que hoje.

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