São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 1996
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A alma e os computadores

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Antes que me chamem de jurássico, dou a fonte que inspirou este comentário: é o jornal "Financial Times", de impecáveis credenciais liberais e um dos melhores do mundo (embora esteja, pela primeira vez na sua história, demitindo profissionais, com riscos para sua qualidade).
"Esses defeitos tecnológicos marcam um início embaraçoso para os primeiros Jogos Olímpicos totalmente patrocinados por empresas privadas", relata o jornal, referindo-se ao "tilt" nos computadores, que interrompeu ou dificultou a transmissão de informações sobre a Olimpíada.
Nada contra as empresas privadas. Tudo contra o culto absoluto a elas, como se fossem deuses dos novos tempos. Qualquer iniciativa, patrocinada pelo Estado ou por particulares, passa pela mão do homem, falível por definição, venha o seu salário dos cofres públicos ou da iniciativa privada.
É claro que há mais chances de falha se o cidadão é funcionário público e, ainda por cima, pratica a cultura da acomodação, em geral associada ao serviço estatal. Mas nem por isso se deve imaginar que as empresas privadas são imunes a erros desse porte.
O episódio permite ainda exercer um pouco de iconoclastia em relação a outros deuses da mitologia moderna, a tecnologia e os computadores. Mesmo estando o serviço de informações da Olimpíada de Atlanta a cargo da IBM, uma megaempresa do ramo, ocorrem falhas grotescas como a incapacidade de se pôr na mão dos jornalistas até a lista de competidores de um dado evento.
No fundo, no fundo, o que me parece claro, comparando o que leio no "Financial Times" sobre Atlanta com o que vivi, pessoalmente, em Barcelona-92, é a impossibilidade de se substituir o coração como motor do sucesso coletivo ou individual.
Em Barcelona, os catalães puseram a alma para que os jogos dessem certo, como afirmação de sua especificidade cultural. Deu. Patrocinadores não têm alma, até prova em contrário.

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