São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 1996
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Admirável mundo novo

CELSO PINTO

Se você acha que o Banco Central é pouco eficiente para fiscalizar os bancos e controlar a moeda, espere só até chegar o "Admirável Mundo Novo", expressão irônica com que o ex-presidente do BC, Francisco Gros, descreveu o mercado financeiro do futuro, em boa medida já presente. Gros e André Lara Resende, ex-diretor do BC, participaram do seminário sobre o futuro do BC. O desafio ultrapassa em muito o simples reforço na fiscalização do BC. O que está em jogo é a própria capacidade do BC, de qualquer BC, de controlar o mercado e a política monetária com as armas tradicionais que usa hoje.
O "velho mercado", segundo Resende, compunha-se de: 1) taxa de câmbio fixo, 2) capitais com movimentos limitados, 3) reservas cambiais no BC, 4) o mercado privado não conseguia criar reservas, 5) instituições financeiras operavam no mercado doméstico, captavam depósitos e concediam empréstimos, 6) o mercado era regulamentado e cartelizado.
Neste mundo, havia uma sólida relação entre base monetária (moeda primária) e agregados mais amplos. Portanto, o BC, ao controlar a base, restringia a capacidade do sistema expandir a moeda. O risco bancário vinha da qualidade dos ativos e do descasamento entre o prazo curto de captação de depósitos e longo dos empréstimos.
Com isso, havia clara distinção entre crise de liquidez, quando um banco tinha ativos bons, mas faltava caixa para operar, e crise patrimonial, quando os ativos ruins comiam o capital e o banco quebrava. Claramente, o papel do BC era apoiar bancos com crises de liquidez e só salvar bancos em crise patrimonial quando houvesse risco sistêmico.
No "Admirável Mundo Novo", mudam os princípios: 1) o enorme volume e volatilidade de capitais obrigou os países a adotarem câmbio flexível, 2) agentes financeiros (não só bancos), via empréstimos internacionais, criam e destroem reservas (quando os países insistem em ter câmbio fixo), 3) a revolução da informática baixou os custos de transação e a rapidez na informação levou à criação dos derivativos, um mercado gigantesco e ilimitado, 4) em vez de bancos captando depósitos e emprestando, existem instituições financeiras e não-financeiras emitindo e negociando títulos, 5) a capacidade de criar ativos e derivativos em moeda estrangeira acabou com as fronteiras, independentemente das regras do país. As implicações para o BC são enormes. Como os ativos são negociados nos mercados e têm um preço, o risco de oscilações nesses mercados ficou maior do que o risco da insolvência do tomador final.
Os riscos e os valores dos ativos variam minuto a minuto, tornando virtualmente impossível ao supervisor "fotografar" a situação de uma instituição financeira e, com isso, avaliar seu risco. O "único caminho" é a auto-regulação: o BC pode, no máximo, estimular e "educar" o mercado. Como os ativos têm valor de mercado, crises de liquidez (falta de caixa) se confundem com crises patrimoniais (maus ativos) e isso reduz o papel do BC como ajuda última às instituições.
Os pequenos poupadores, sugere Resende, poderiam ser 100% protegidos em instituições que captassem poupança a uma taxa fixada e só aplicassem em títulos do governo, sem risco. Quem não quisesse este juro menor correria, conscientemente, o risco de perder seu dinheiro.
No novo mundo, o BC não consegue controlar a base monetária, nem isso é relevante. O que ele pode fazer é tentar controlar a inflação olhando inúmeros indicadores e usando o juro como arma. O BC futuro deve ser menos burocrático e mais atento às mudanças no mercado.
O velho e o novo mundo ainda convivem, mas a direção é inequívoca. Neste contexto, achar que capitais "bons" (investimentos diretos) são estáveis "é uma visão extremamente atrasada", segundo Gros. O que cria crises em balanços de pagamentos não são "capitais voláteis", diz Resende, mas más políticas macroeconômicas que fazem com que tanto capitais externos quanto domésticos fujam do país. Daí a importância, lembrada por Gros, de o Brasil dar mais consistência à sua política fiscal e ao aumento da poupança interna. Um país só pode apoiar-se em poupança externa temporariamente, observa Resende.
Se o BC for sensato, terá muito a meditar a partir de seu seminário.

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