São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 1996 |
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Elvis sabia como fugir do baixo-astral do inverno
DAVID DREW ZINGG
Refleti sobre o sistema usado por Elvis esta semana, quando quase morri congelado numa noite paulistana de insônia profunda. O método Elvis de acabar com qualquer coisa deprimente era muito simples. Ele enfiava qualquer substância química que estivesse ao alcance da mão naquela boca que emitiu os sons que ajudaram a transformar nossa metade do século 20. Aquele dia em 1977, quando Elvis andou até o banheiro gingando como um pato (sim, porque estava MUITO gordo), ele estava uma verdadeira farmácia ambulante. Elvis enfiou na boca mais uma mão cheia daquela farmacopéia que mantinha o frio emocional longe de seus sonhos por mais algumas horinhas. É preciso ter uma lista muito extensa de medos para poder aguentar o efeito paralisante do carnaval de drogas estranhas que o Rei engolia todos os dias e noites. Minha própria lista pessoal de pesadelos é suficientemente extensa e variada para fornecer material para alguns filmes hollywoodianos de horror recorde. Mas, ao que parece, sequer se compara aos sonhos ruins que afligiam o filho da sra. Presley. É esse maldito frio paulista de rachar os ossos que me faz acordar para um show da meia-noite de sonhos macabros. Como uma amiga atual tão bem explicou: "Minha imaginação é como um bairro perigoso; é melhor não andar por ela sozinha". Elvis tinha o mesmo problema noturno. Ele não se dava muito bem com o armário escuro de sua própria mente, por isso engolia comprimidos. Tio Dave evita os filmes mentais sombrios da meia-noite com a ajuda de uma série de remédios líquidos produzidos em lugares como a Escócia. E acaba encontrando a paz acalentadora do sono entorpecido. Mas é uma cura que cobra um preço alto no dia seguinte. É uma cura que não cura -enquanto você cambaleia pela ressaca do dia seguinte, é obrigado a refletir sobre as razões que te levaram a beber para esquecer, processo que te força a reexaminar os horrores sombrios dos quais tentava fugir em primeiro lugar. E assim por diante, ao infinito, a noite atormentada vai virando dia atormentado e o dia, virando noite, sucessivamente. Mas Elvis, ao que parece, era feito em escala ainda maior. Ele vivia uma vida de overdoses, feita de overdoses de sucesso, overdoses de mulheres e overdoses de dinheiro. Depois, para erradicar a ressaca que acompanha o exagero, tomou uma overdose a mais dentro de seu banheiro forrado de espelhos, com o chão coberto por um carpete vermelho. Elvis tomou uma overdose de analgésicos que pode ser descrita como sendo digna de um rei. Foi encontrado de joelhos, com o bumbum pelado como no dia em que nasceu, vestindo -muito apropriadamente- um pijama de seda azul. Era uma posição corretamente respeitosa. Antes de morrer, estava lendo um livro intitulado "A Busca Científica da Face de Jesus". Há muita coisa a ser dita sobre Elvis, o Santo. Mas, quando os toxicólogos examinaram seu sangue, encontraram um menu completo de estimulantes e depressivos, capaz de suprir os estoques de qualquer hospital. Havia morfina, codeína, Valium, Nembutal, Demerol, etinamato, etclorvinol, amobarbital, metaqualone, Aventyl, Elavil, Sinutab e Carbrital. Para mim, basta tomar duas simples aspirinas que já consigo sentir a mudança operada em minhas funções corporais. O Rei tinhas dores e temores king-size, apropriados a um rei. Pensar nele parece aliviar minha carga. Elvis plugado A forma mais recente de religião do século 20 nasceu pouco após a morte de Elvis. Muitos de seus fãs são fiéis dessa religião. Graceland é o túmulo mais visitado da Gringolândia, com vigílias à luz de velas e velórios no aniversário da morte do Rei, em frente aos portões de Graceland e no Jardim da Meditação. Decorre disso, na melhor tradição portuguesa, que as visões são coisa corriqueira no estranho e maravilhoso mundo dos fiéis de Elvis Presley. Deixando de lado os relatos sobre a estátua de Elvis que teria sido avistada por uma nave espacial russa no planeta Marte, existem várias maneiras mais reais de comunicação com o Rei. Presley é a primeira pessoa a figurar num cartão de crédito perto de você. Uma grande empresa de cartões de crédito enviou 200 mil formulários de inscrição a seus fãs. O folheto do cartão propõe: "Dê sua assinatura a Elvis. Torne-se parte da lenda". Mas o fato que me faz acreditar que Elvis realmente esteja ali fora, pairando sobre nós, é que é possível enviar correio eletrônico a ele. Antes do meu computador- com-nome-de-fruta entrar no que parece ser um colapso terminal, cheguei a enviar mensagens ao cantor drogadinho no endereço elvis@uu.net. Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Lynch se recusa a morrer Próximo Texto: Ingressos para Monsters serão vendidos a partir de segunda Índice |
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