São Paulo, sexta-feira, 26 de julho de 1996
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Brasileiro pensa que o pombo é sujo

EITAN ROSENTHAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

O preconceito é a única causa do desprezo do brasileiro em relação à carne de pombo. Isso porque essa nobre ave comestível é sempre associada ao seu primo pobre, o anti-higiênico pombo de ruas e praças.
Essa história pode mudar já a partir deste fim-de-semana, graças à iniciativa de alguns chefes estrangeiros instalados no Brasil.
O suíço Dominique Gapany, titular do Tarsila, no hotel Intercontinental (al. Santos, 1.123, tel. 3279-2600), há apenas cinco meses no Brasil, planeja lançar em seu cardápio o peito de pombo salteado, fatiado fino, servido em leque com vinagrete quente de gengibre e azeite extra-virgem.
O francês Laurent Suaudeau apenas aguarda a chegada das aves para incorporá-las ao cardápio do seu restaurante, o Laurent (al. Jaú, 1.606, tel. 853-5573).
Ele vai servi-las em finas fatias rosadas do peito, cobertas com escalopes de foie gras sautées e coxas em molho à base dos ossos, enriquecido com a gordura do foie.
Ambos dependem dos esforços do francês François Sportiello e de sua empresa Nova Fazendinha (tel. 021/371-6044), que fornece para hotéis e restaurantes de luxo alimentos frescos e iguarias exóticas, como timo de vitela, filé de avestruz e pombos frescos.
O primeiro lote destes últimos está chegando, via aérea, de Bresse, na França, cidade célebre pela qualidade de suas aves.
Disponíveis apenas sob encomenda, custam de R$ 12,00 (ave inteira depenada e eviscerada, com cerca de 300 gramas) a R$ 86,00 (quilo já desossado). Esses preços são válidos para o Rio de Janeiro. Para o resto do país soma-se o custo do frete refrigerado.
Existem muitas variedades de pombos, sendo destinados às exposições, ao mercado de aves ornamentais, ao correio e, ver para crer, às corridas de pombos.
Para o bom uso à mesa, porém, pouco vale a bela plumagem, mas sim a massa corporal e, principalmente, o peito carnudo.
Na criação de pombos para comer, só se aproveitam os exemplares brancos por inteiro, sendo os indivíduos recessivos pretos descartados do plantel.
Há registros de pombais na China antiga e na civilização egípcia. Na Idade Média eram tão valorizados que possuí-los era prerrogativa dos barões donos das terras.
As aves, além de intocáveis, tinham o direito de se servir da produção de grãos da vassalagem.
Nas avícolas da Europa e EUA, onde se produz o pombo para abate, a variedade mais usada é a King, cujo peso ultrapassa meio quilo.
No Brasil Devido ao preconceito reinante, a criação de pombos torna-se uma possibilidade remota no Brasil.
Como diz Mário Herédia Pereira, diretor da Associação dos Criadores de Aves, "a avicultura precisa de uma escala de produção considerável para ser economicamente viável, o que não ocorre com o pombo, devido à falta do hábito de consumo. E, mesmo se alguém resolvesse se aventurar, encontraria problemas na burocracia e nas rigorosas leis que regulam a importação de matrizes".
Assim sendo, ao apreciador inveterado de pombos só resta o caminho da produção própria, relativamente simples e barata.
É o que faz há muitos anos João Vogt, securitário aposentado e gourmet convicto, continuando um hábito que herdou do seu avô português.
Em sua ampla casa nos arredores de SP, João cria pombos King e Correio, que também podem ser comidos, apesar do peso menor.
Após décadas de experiência, sua dica refere-se à maneira de abater o animal, por estrangulamento, em vez da sangria, usada pelos abatedouros.
Por essa técnica, chamada "etouffer", a ave retém o sangue e conserva melhor o gosto áspero e marcante de caça. Mas é o talento culinário da sua esposa, Marília, que arremata com sucesso a sofisticada empreitada.
O casal Vogt já tentou popularizar a idéia, levando uma terrine de pombos ao cardápio do restaurante Mellão (r. Padre Carvalho, 224, tel. 813-3756, Pinheiros).
"Ofereci sempre dupla opção de menus e, nas duas vezes que propus pombo, a unanimidade era sempre pelo outro prato", disse Hamilton Mello, o Mellão, saudoso dos tempos em que dispunha de um pombal no topo do prédio em que morava em Pescara, na Itália.

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