São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
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Fundo do poço facilitou as mudanças

LUÍS NASSIF
DO CONSELHO EDITORIAL

Acabou a grande aventura de Domingo Cavallo. Desde ontem, Cavallo passa a fazer parte da história do continente, com direito a posição de honra no fórum dos grandes estadistas do século.
A esta altura, é ocioso analisar se havia alternativas tecnicamente mais corretas do que o câmbio fixo implantado por ele.
A estratégia macroeconômica adotada serviu apenas de instrumento para o grande objetivo final de Cavallo: a transformação da economia e da cultura argentinas, providenciando o início do enterro do mais estratificado sistema corporativista que o continente já conheceu.
Quem fala no corporativismo brasileiro não viu nada. A Argentina pré-Cavallo era um país que havia abolido o emprego e a competição. Em cinco décadas, um pacto de estagnação entre centrais sindicais e grupos empresariais liquidou o acervo acumulado pelas gerações anteriores, que haviam transformado a Argentina na mais importante economia da América Latina.
Para chegar a Cavallo, a Argentina precisou bater no fundo do poço. Primeiro, a humilhação de Malvinas, liquidando o regime militar. Depois, o fracasso de sucessivos governos civis, engolfados pela hiperinflação.
Foi preciso essa sucessão de tragédias para abrir espaço para o trabalho saneador de Cavallo. Ao fazer votar lei que só permitia a emissão de austrais se houvesse contrapartida de dólares, amarrou a política monetária e cambial. Mas foi a única maneira de queimar as caravelas e proceder-se ao ajuste fiscal.
No plano macroeconômico, nem todos os indicadores são favoráveis. O desajuste fiscal continua alto, e a recessão assola o país.
No plano estrutural, Cavallo deixa plantada uma nova Argentina. Privatização, fim de privilégios, abertura, mesmo descontados os excessos, ajudaram a ferir de morte o velho modelo. Como era inevitável, provocou o desgaste de quem se propôs a enfrentar esses desafios.
O caminho está traçado. Pode-se amenizar o processo, mas dificilmente haverá alternativas fora da proposta de Cavallo.
A grande semente que deixou plantada na Argentina foi a do aggiornamento cultural de um país, que descobriu de novo a importância de mudar.
A saída de Cavallo se dá em um momento em que há reversão no fluxo de dólares do mercado internacional.
Lançam-se dúvidas sobre a continuidade do ajuste argentino, atrapalhando mais ainda as incertezas sobre o futuro da economia argentina. Com menos dólares entrando na Argentina, deverá haver certo refluxo das exportações brasileiras para lá.
O ministro do Planejamento, Antonio Kandir, está tranquilo em relação aos desdobramentos da crise. Em dezembro de 94, a crise mexicana foi mais grave.

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