São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Leonard combina criminosos e poeta na novela policial 'Pronto'

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

Harry Arno é uma figura rara. Bookmaker -cuida de apostas ilegais no campeonato de futebol americano-, tem fixação no poeta Ezra Pound, com quem cruzou na Europa, na Segunda Guerra Mundial.
Sonha com a aposentadoria -tem 66 anos, "a idade de Paul Newman"-, mas não consegue deixar a jogatina.
Em torno de Arno corre a cena de "Pronto", romance policial-existencial de Elmore Leonard, que está sendo lançado no Brasil pela editora Rocco.
A história, em si, é simples.
O corretor de apostas Arno passa anos recolhendo clandestinamente parte de seus ganhos -que deveria dividir meio-a-meio com um chefão local.
Quando está pronto para gozar a vida, é envolvido em um estratagema da polícia, que tenta conseguir provas para prender o chefete.
Arno vira alvo da polícia e caça do mafioso. Trata de fugir, enganar seus perseguidores e ficar vivo.
Aí morreria a história, não fosse ela cria de Leonard, um dos mestres americanos da literatura de ação, especialista na produção de personagens dignos de filmes de Quentin Tarantino e autor, entre outros, de "Get Shorty" -recentemente visto em telas brasileiras.
Os personagens, em "Pronto", estão sempre dispostos a contar histórias, que merecem atenção divertida tanto quanto a ação principal, que se desenrola com grande rapidez, mas nada de tirar o fôlego.
Já no início, por exemplo, o próprio Arno diz para sua namorada: "Vou lhe contar uma coisa que nunca contei a ninguém em toda a minha vida".
Outros personagens também despejam segredos.
O xerife Raylan Givens, vítima-perseguidor-amigo-protetor de Arno, foi abandonado pela mulher, que o trocou por um corretor de imóveis.
Também, ela não valia grande coisa. Sua canção preferida era "Não Venha Para Casa Bêbado Pensando em Fazer Amor".
Há o matador profissional a serviço do chefete, a amante do mafioso e o amante da amante do mafioso, a namorada de Arno e um agregado que ele conquista para seu lado -e, acima de todos, há o poeta Ezra Pound.
Arno, servindo no exército norte-americano, conheceu Pound quando o poeta já tinha sido detido pelos Aliados, na Segunda Guerra, na Itália.
Agora, meio século depois, Arno volta para se esconder na pequena Rapallo, onde viveu o poeta.
E o leitor vai ganhando pílulas de cultura. Pode até ficar interessado em ler trabalhos do poeta, desde que não se fie na opinião da namorada de Arno. Para a quase quarentona Joyce, Pound não passa de "um sujeito que escreveu a poesia mais obscura que eu já vi".
Pode ser. Mas o romance de Leonard é claro e divertido.
Não encontrei erros de tradução no texto. Vi apenas um incômodo manobreiro, palavra que está no Aurélio, mas é menos usada do que manobrista.
O erro imperdoável está na orelha do livro, onde o xerife (marshal) Givens é alçado ao posto de Marechal, com letra maiúscula e tudo. Suas relações com Arno ganham ainda uma "aura de mistério" que não têm.
Na verdade, Givens passou a vida no leva-e-traz de prisioneiros. Sonhava ser funcionário de um departamento do Ministério da Fazenda, mas não chegou a GS-12 entre os xerifes -exatamente por ter falhado em uma missão em Atlanta, enganado por Arno.
Além disso, Givens não esteve na Segunda Guerra, como quer a orelha do livro. Com cerca de 40 anos na época em que transcorre o livro, não era nem sequer projeto de gente no tempo da campanha na Itália.

Texto Anterior: MOMENTO FINAL
Próximo Texto: Pernambucana Luzilá Ferreira reinventa Recife de Nassau
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.