São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
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OS FANTASMAS DO VIZINHO

A queda do ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, resulta de um momento político cuja tensão estava cada vez mais evidente.
Em 89, o então presidente argentino, Raúl Alfonsín, foi obrigado a antecipar, na esteira de uma onda de saques ao comércio em Buenos Aires, a posse de Carlos Menem, seu sucessor eleito. Esse antecedente conferiu certa dramaticidade ao fato de ter havido, na última terça-feira, um episódio do gênero, desta vez em pleno coração de Buenos Aires.
Cerca de 130 aposentados e desempregados que usavam três ônibus alugados ocuparam pacificamente um supermercado e só se retiraram depois de receber 150 pacotes com produtos de primeira necessidade.
Não se trata, é claro, de imaginar que 96 pudesse repetir 89. Mas pode ser ingênuo entender o saque como fato isolado. A mostra de insatisfação social e a queda do ministro identificado como o grande artífice da estabilização ocorrem no momento em que o apoio ao plano econômico caiu ao nível mais baixo. Pela primeira vez, pesquisas de opinião mostram que 50% dos habitantes de Buenos Aires querem mudanças no plano, contra 35% que se manifestam pela sua manutenção integral.
A escolha de um economista ortodoxo para suceder Cavallo tende a ser vista como uma indicação de que o governo não pretende alterar a paridade cambial. Ainda assim, a situação econômica nada tem de fácil. O estoque de medidas estruturais para pôr ordem nas contas públicas está praticamente esgotado. O governo de Carlos Menem cumpriu, rigorosamente, a receita ortodoxa de ajuste do Estado: privatizou, desregulamentou, abriu a economia, reduziu funcionários e até promoveu uma reforma tributária que inicialmente mostrou razoável eficácia.
Nada disso impediu que, desde o ano passado, o déficit público voltasse a assombrar a Argentina. Nem impediu que o índice de desemprego ficasse em alturas recordes. A queda da inflação praticamente a zero já não é, ao que tudo indica, suficiente para garantir prestígio político.

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