São Paulo, domingo, 28 de julho de 1996
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Notícias do exterior

JANIO DE FREITAS

Brasília, São Paulo e Rio, presidente pra cá, ministro pra lá, no palácio disso, palácio daquilo, e o Congresso, com o senador tal achando não sei quê e o deputado beltrano desachando, ah, sim, as reformas privadas da Constituição pública -nós, jornalistas, jamais lhe faltamos, leitor-espectador, com a dose diária de Brasil.
Mas o noticiário lá de fora bem que merece uma olhadinha. Em um lugar distante, por exemplo, chamado Acre e tendo por capital uma certa Rio Branco, há tempos permanece uma situação curiosa. Lá também existe o poder instituído, com todas as aparências próprias de governo, Legislativo e Judiciário, mas não é único. Com tanta ou mais força, existe o poder paralelo, exercido pela Polícia Militar e chefiado por um grupo de oficiais-PMs intocáveis.
Estes oficiais podem tudo, desde manter em cárcere clandestino os familiares de algum suspeito foragido, para fazê-lo apresentar-se, até destruir com moto-serra as choupanas de pobres mulheres antes espancadas. Se a TV local filmar e exibir, não há problema: o poder policial é inquestionável pelo poder instituído.
O Acre tem embaixadores em Brasília, que ostentam título de senador, três deles, e outros o de deputado. Ou por medo, ou por interesse, ou por algum motivo insondável, todos têm sido muito discretos a respeito da situação em sua terra. Ainda assim, aconteceu um pedido de intervenção externa -no caso, intervenção do Brasil, que é o país mais perto do Acre.
Encaminhado a uma entidade de Brasília chamada Procuradoria Geral da República, o pedido recebeu do procurador de Direitos Humanos, Wagner Gonçalves, parecer favorável à intervenção. Mas daí foi para o procurador-geral. Que não faltou com sua decisão conhecida: ele, Geraldo Brindeiro, nada tem a decidir, fazer ou dizer nessa história. Vai passar a bola ao presidente da República. Em agosto, que a situação criminosa no Acre não requer urgências.
Longe de Rio Branco, outra cidade vive também o exotismo dos povinhos que ainda não chegaram à modernidade neoliberal. Chama-se Pirapora. Lá a situação é de guerra: de um lado, os aliados e, do outro, centenas de policiais militares. Os aliados são os funcionários públicos reforçados pela população em geral. Os PMs, diferentemente do caso acreano, são as forças do poder constituído, ou seja, governo e Judiciário mineiros que impõem a reintegração do prefeito Walid Abdalla, destituído pela Câmara local sob acusação de desvio de verbas e desmandos variados.
Até aí, desvio de verbas, PM atacando a população, as sentenças judiciais surpreendentes, não há propriamente anormalidade, considerando-se estas regiões externas que circundam o triângulo das Bermudas brasileiro -Brasília-São Paulo-Rio. Existe, porém, como causa primeira da guerra, um pormenor interessante: o funcionalismo de Pirapora não recebe salário há 14 meses. Há um ano as escolas de Pirapora não podem ter aulas.
Se fosse no Brasil, isso não aconteceria, porque o governo social do presidente Fernando Henrique Cardoso denominou 1996 de "ano da Educação". Mas o presidente e o seu ministro Paulo Renato de Souza não podem imiscuir-se em território alheio. Não lhes resta senão ignorar Pirapora como o próprio governador deste território, o também peessedebista Eduardo Azeredo, faz em benefício do seu gasto predileto: o gasto com publicidade.

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