São Paulo, domingo, 28 de julho de 1996
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Entre sem-terra, mulheres rompem com a submissão

Acampamentos do MST recebem adesões de moradores das cidades

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL AO PONTAL DO PARANAPANEMA

O perfil da mulher sem-terra está mudando. A convivência em comunidade, nos acampamentos improvisados nas margens das estradas, sob influência de lideranças jovens, tornou-a mais altiva e com opiniões próprias.
Além disso, o movimento deixou de ser exclusivo dos trabalhadores rurais. Os acampamentos dos sem-terra do Pontal do Paranapanema (extremo oeste de São Paulo), região de maior conflito fundiário do Estado, recebe levas de famílias vindas das cidades.
Essa nova mulher pode ser encontrada em todos os acampamentos do Pontal, onde é grande o número de solteiras, viúvas e desquitadas morando sozinhas em barracos e dispostas a permanecer acampadas, anos a fio, se preciso.
Entre elas, há balconistas, professoras e funcionárias públicas. Muitas enfrentaram a oposição da família, outras foram estimuladas pelos próprios pais, que já não acreditam na possibilidade de um futuro promissor nas cidades.
Cássia da Silva, 21, é um exemplo da nova mulher sem terra. Estudou até a 7ª série e trabalhava como balconista na cidade de Presidente Prudente.
No mês passado, ela perdeu o emprego e comunicou à família que iria se integrar ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Juntou cinco cobertores, um rádio, fogão portátil, colchonete e mantimentos e mudou-se, há apenas 15 dias, para o acampamento em frente à fazenda Santa Rita, a 100 km de Presidente Prudente.
Em duas semanas, tornou-se uma das coordenadoras do grupo. Agitada, passa o dia entre reuniões com os militantes do MST e visitas aos demais barracos para verificar se há alguém doente ou sem comida, precisando de ajuda.
Futura militante
Cássia diz que nunca se interessou por política e que não tem nenhuma experiência em trabalhar a terra: "Até hoje, só plantei flores". Diz que sua vida está se transformando e que já se candidatou para fazer o curso de preparação de militantes do MST.
Maria Madalena Feitosa, 26, também mora sozinha, em um barraco de plástico, no acampamento Santa Rita. Sua história é ainda mais curiosa.
Formou-se professora primária e vivia com os pais e oito irmãos. Há um ano e meio, o pai deixou a família na cidade e passou a viver no acampamento de Taquaruçú (também no Pontal).
Há três semanas, o próprio pai estimulou a filha a se tornar uma acampada. Ela afirma que se sente segura no local. "Há normas rígidas de conduta no acampamento. Ninguém pode beber ou possuir arma. Além disso, os homens fazem guarda durante a noite."
Segundo informações das lideranças locais do MST, há cerca de 1.500 famílias vivendo em barracos em frente à fazenda Santa Rita.
No acampamento, há um grande painel com pinturas de foices e os dizeres "Reforma Agrária, Direito de Todos", mastros com bandeiras do MST e tratores novinhos.
Esse novo perfil de mulher não é exclusivo das jovens. Antônia Aparecida Toledo, 55, viúva, foi uma das primeiras a chegar, sozinha, ao acampamento. Já está no local há um ano e meio.
Conta que era dona de casa na cidade de Andradina, onde morava com o marido e oito filhos. Depois que o marido morreu, decidiu juntar-se aos sem-terra. "Vivi 53 anos acomodada. Agora tenho um objetivo", afirma. Ela diz que foi apoiada por uma filha, professora de história, mas que os filhos eram contrários à sua decisão.
"Quando eles vieram me visitar e viram essas bandeiras vermelhas do MST, acharam que estava doida e tinha virado comunista. Hoje pensam diferente, e um de meus filhos até se mudou para cá."
Antônia Toledo faz crochê para passar o tempo e já plantou uma horta em frente ao barraco. "Se eu tivesse uma filha solteira, deixaria que ela fosse para um acampamento sozinha", diz ela.
Pais autorizam
Celma Aparecida Martins, 27, e Luciana Alves Malheiros, 20, viviam com seus pais em Presidente Prudente e, há duas semanas, foram sozinhas para o acampamento dos sem-terra.
Celma conta que suas famílias conversaram com líderes do MST antes de aprovar a ida delas para o acampamento. "Eles garantiram que ficaríamos em segurança. Meu namorado, que trabalha em um sítio, me estimulou a vir."
Luciana conta que é caçula de uma família de 12 irmãos e que seu pai é dono de uma pequena oficina mecânica em Prudente. "Meus pais me mandaram vir para cá, porque acham que não terei emprego na cidade", diz ela.

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