São Paulo, domingo, 28 de julho de 1996
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O desafio do SUS

LUÍS NASSIF

Até a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o financiamento da saúde era problema do Ministério da Saúde. Agora, passou a ser problema da área econômica.
Apesar de não significar a ante-sala do apocalipse, o imposto é ruim. Provavelmente, nem chegará a ser cobrado. Mas, para tanto, a equipe econômica vai ter que administrar as alternativas rapidamente.
O segundo desafio é para o ministro Adib Jatene e para o Sistema Único de Saúde (SUS). Se, nesses 13 meses de imposto extraordinário, não conseguirem provar à opinião pública a excelência do trabalho do SUS, não haverá santo que consiga aprovar novo imposto de emergência.
Não basta fazer trabalho denodado. Será necessário repensar nos seus fundamentos a maneira de o SUS se relacionar com a opinião pública.
É desafio de grande complexidade. O que se convencionou chamar de elite brasileira não usa a rede pública de saúde. Trabalhadores sindicalizados, professores universitários, empregados de médias e grandes empresas, jornalistas, profissionais liberais, classe média em geral, todos estão amarrados a planos de saúde e convênios. Seu grau de solidariedade para com os humildes é muito pequeno.
Entropia
O SUS é uma extraordinária experiência de organização social. Pela primeira vez, monta-se estrutura em nível nacional, com a participação de entidades da chamada sociedade civil organizada, visando administrar e fiscalizar verbas públicas.
O modelo permite gerenciamento municipalizado da saúde, mas subordinado a planejamento estadual e federal integrado. Segue o modelo gerencial do velho Partidão, com estruturas de comitês agindo de forma colegiada e hierarquizada.
O problema do SUS é sua entropia, a incapacidade de olhar para fora do próprio umbigo -vício que, na década passada, liquidou com a legitimidade de grande parte dos movimentos da chamada sociedade civil organizado.
O integrante do SUS se julga um abnegado (e é), que tem um projeto de país para cumprir (e tem), e por isso não tem satisfações a dar a ninguém.
Reside aí sua perdição, caso não mude a rota e não se exponha à fiscalização da opinião pública.
Prestar contas
A discussão sobre a CPMF foi exemplar. Em nenhum momento, secretários de Saúde ou o ministério se preocuparam em prestar contas dos seus atos -mesmo os positivos, que existem em abundância.
Criou-se uma espécie de confraria, que não se deu conta de que o grande personagem político da atualidade é a chamada sociedade civil desorganizada -o conjunto de interesses difusos representados nesse ente caprichoso e em formação chamada moderna opinião pública brasileira.
Os grupos de interesse organizados tiveram papel nos anos 70 e 80, de reação ao regime fechado. No decorrer dos anos 80 e, especialmente, nos anos 90, a não-abertura para o mundo, a falta de autocrítica, o não-arejamento das idéias levou-os à crescente fossilização, que os tornou anacrônicos e mal vistos pela população.
Em que pesem todas as suas virtudes, a estrutura atual do SUS, sem abertura para controles externos, é caminho certo para uma estratificação futura nas mãos de interesses corporativos.
PAS
A melhor coisa que poderia ocorrer com o SUS, agora, seria analisar o modelo de gerência desenvolvido no âmbito do Programa de Apoio à Saúde (PAS), do governo Paulo Maluf, e procurar assimilar alguns de seus ensinamentos.
Independentemente dos vícios do prefeito Maluf, de suas prioridades tortas, o PAS consiste em um todo lógico bastante consistente, forte justamente na parte em que o SUS é fraco: o sistema de prestação de contas à opinião pública.
A necessidade de cada unidade ser fiscalizada por auditorias privadas, por pesquisas de opinião junto aos clientes, por sistemas unificados de computação e pela própria fiscalização da Secretaria da Saúde transmite uma sensação de controle muito maior do que o SUS.
Induz as unidades hospitalares a trazer como foco principal o cliente e a se preocupar com aspectos gerenciais -algo que está longe das preocupações dos cruzados do SUS.
Será necessário grande trabalho de reflexão para que o SUS implemente essa mudança de rota. Será conveniente começar cedo, antes que acabe o prazo de vigência do novo imposto.

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