São Paulo, domingo, 28 de julho de 1996
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Brasil vira megapotência esportiva na TV

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Com a cegueira de torcedores fanáticos e o pseudo-otimismo de todas as Pollyanas do mundo, as emissoras de TV do Brasil tentam enganar a sua clientela de plantão.
Transmitem as Olimpíadas como se o país fosse a megapotência esportiva, uma Rússia, os EUA. Pena que o país de Serra Pelada não passa de um pobre sem-medalha, facilmente seduzido por um bronze coletivo qualquer.
No seu malabarismo olímpico, a TV brasileira conseguiu transferir até para uma luta de judô o clima épico de uma final de Copa do Mundo. Aurélio Miguel teve os seus 15 segundos de Pelé. De repente, a "pátria de chuteiras" virou a "pátria de quimono". Ninguém entende aquela luta esquisita, com golpes invisíveis e antitelevisivos, mas os locutores tentaram nos levar ao calor do tatame a todo custo.
Na tarde do último domingo, por exemplo, os apresentadores do SBT interromperam o programa do Gugu Liberato para insinuar que Aurélio Miguel, a maior esperança de ouro do Brasil no judô, havia sido roubado pelo juiz.
O judoca havia enfrentado o polonês Pavel Nastula. A derrota do brasileiro não ganhou a mínima suspeita internacional em relação à arbitragem.
O polonês foi questionado por outro motivo: teria feito merchandising ilegal de uma marca de produtos esportivos, o que é proibido durante as competições.
Abertura Esse time de fanáticos e otimistas desenfreados já começou a atuar na transmissão da solenidade de abertura das Olimpíadas, na noite enfadonha da sexta-feira, 19. A Rede Globo, com Galvão Bueno no comando das operações, insistia no velho mito da alegria e descontração dos brasileiros.
Para a emissora, só a delegação brasileira mostrava animação, ginga, swing, essas coisas da miscigenação que nos faz -folcloricamente- um povo abençoado.
Nesse momento da abertura, a emissora já utilizava um "mix" do otimismo ingênuo de Pollya na com o coquetel de raças do antropólogo pernambucano Gilberto Freyre. E viva o povo brasileiro.
A TV do bispo Macedo, a Record, também não escapou desse pecado. Na noite de segunda-feira passada, até o correto narrador Luiz Alfredo, deixava uma dúvida interplanetária no ar.
Ele perguntava, com insistência, de onde, de que planeta, teria surgido a jogadora de vôlei Fernanda Venturini. "Ela veio de Marte, de Vênus?", indagava Alfredo.
O comentarista William, ex-jogador da seleção brasileira de vôlei, respondia: "É do Brasil". A sorte é que, pelo menos naquela noite, o Brasil fazia jus ao fanatismo: massacrou Cuba. Nesse mesmo jogo nem Cléber Machado, que tem um estilo bem bossa nova de narrar, escapou da histeria. Parecia um dublê de Luciano do Valle (da Bandeirantes), que consegue ser ufanista até em jogo de sinuca. No futebol, quem diria, o pacato comentarista Tostão (também da Band) perdeu a cabeça: atacou o árbitro de Brasil 0 x 1 Japão. O ex-jogador de futebol chamou o juiz de "louco" e "irresponsável".
Para evitar essa propaganda toda, só existe mesmo uma regra: compare o número de vitórias do Brasil com o entusiasmo dos narradores. Eles vão ficar devendo centenas de medalhas para as próximas Olimpíadas.

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