São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 1996
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Crise é culpa do movimento peronista, afirma Cavallo

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Domingo Cavallo pôs a culpa no peronismo, o movimento do presidente Carlos Menem, pela crise que levou a sua demissão.
"Cada vez que eu dizia 'a', o Congresso, sobretudo o bloco justicialista, dizia 'b"', reclamou Cavallo, na sua primeira entrevista coletiva após a saída, concedida no final da tarde de sábado.
O peronismo, formalmente, chama-se Partido Justicialista.
A frase de Cavallo transpõe a crise argentina do território econômico para o político-eleitoral.
O ex-ministro chegou a dar a data exata em que o Congresso passou a ser um entrave para a sua gestão: 14 de maio de 1995.
Foi o dia em que Menem se reelegeu presidente. Como a Constituição veda uma nova reeleição, abriu-se naquele mesmo dia a disputa para se saber quem seria o candidato peronista à sucessão.
"Não havia divergências econômicas entre Menem e Cavallo, mas divergências políticas. Havia uma disputa pela liderança", avalia Rosendo Fraga, cientista político que prestou assessoria informal a Cavallo e dirige o respeitado Centro de Estudos União para a Nova Maioria (liberal).
Contaminação
A disputa política acaba, no entanto, por contaminar o quadro econômico, na medida que setores peronistas insistem em alterações no plano econômico, para reativar a economia e atenuar os negativos efeitos sociais.
Cavallo chegou a dizer, no sábado, que, "se se mantiverem as dúvidas sobre as regras do jogo, então podemos correr riscos".
É razoável supor que as dúvidas de fato permanecerão. O senador peronista Eduardo Vaca, presidente do partido na capital, elogia a saída de Cavallo, mas diz que "deve ser acompanhada de modificação da política econômica".
Reação natural, a julgar pela avaliação que faz do peronismo o cientista político Zuleta Puceiro: "Os custos sociais são demasiados gravosos para uma força política ainda tributária do populismo tradicional e com escassas convicções sobre os méritos do modelo".
Apoio político
O aspecto político da crise é reforçado até pelo empresariado. "O apoio político é mais importante do que o dos mercados", calcula o presidente da Sociedade Rural Argentina, Enrique Crotto.
As opiniões se dividem sobre as chances de Fernández obter mais apoio político do que Cavallo.
Rosendo Fraga acha que os congressistas serão "mais dóceis" com Fernández, até porque o novo ministro é um tecnocrata discreto, que não disputa liderança com ninguém, ao contrário de Cavallo.
Mas Marcelo Zlotogwizada, colunista do jornal de oposição "Página 12", prevê o contrário:
"Fernández é visto como a alternativa descartável, como um tecnocrata sem jogo de cintura e, sobretudo, sem o mínimo respaldo para impor a racionalidade econômica da ortodoxia ante uma eventual intromissão dos políticos".
Na prática, o que vai decidir o grau de apoio político a Fernández são os resultados econômicos. O desemprego (17% da força de trabalho) e a recessão (a economia retrocedeu 4,4% no ano passado) minaram o prestígio de Cavallo.
Tanto que sua saída foi aprovada por 70,1% dos consultados em pesquisa ontem publicada pelo jornal "Clarín".

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