São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 1996
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Uma cabeça perdida na escuridão

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Alguém diz que viu uma cabeça voando no momento da explosão em Atlanta. Desde quando li a notícia, a imagem por mim recriada, não me abandona. Como na metáfora do filme de Stanley Kubrick, "2001 - Uma Odisséia no Espaço", quando o rústico tacape disparado pelo macaco-homem flutua no espaço, sofrendo mutações até virar uma estação planetária, vejo aquela cabeça solta no ar, cumprindo a macabra trajetória no sentido inverso. Vira bola e se perde na escuridão da loucura que lateja na origem de cada gesto terrorista, seja ele praticado em nome de um ideal, seja fruto da vontade perversa e distorcida de um maníaco qualquer.
E pensar que os gregos antigos inventaram os Jogos Olímpicos para que o homem, por um dia que fosse, virasse deus.
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Meus amigos Luciano do Valle e mestre Armando Nogueira celebram no seu "Apito Final", no calor das conquistas brasileiras em Atlanta, o gesto de um parlamentar de Roraima, que, em Brasília, colhendo a idéia dos confrades, prepara projeto de incentivo ao esporte. Algo como um incentivo de 5% para as empresas privadas que desejem patrocinar o esporte brasileiro em geral.
Justificativa: se há um incentivo para a cultura por que não também ao esporte, que, afinal, também é cultura, no velho clichê da nossa antiga TV Educativa?
Tenho minhas dúvidas, com todo respeito aos ilustres promotores da idéia.
Cultura é um vasto canteiro onde se cultivam hábitos, costumes, expressões artísticas que, na origem ou num determinado instante do desenvolvimento de uma comunidade, confunde-se de tal forma com a identidade dessa gente passam a compor seu próprio perfil.
Ora, num mundo em permanente e veloz transformação, essas são plantinhas tenras, desprotegidas diante do vendaval que varre os ares da comunicação, atuando decisivamente sobre o comportamento de cada um, no sentido de globalizá-lo, para usar uma expressão da moda. Portanto, carecem de certa proteção por parte do Estado.
Claro que o cinema brasileiro, a literatura, a música popular, em certos casos, o teatro, por exemplo, atingiram um significativo patamar no mercado que lhes permite uma sobrevida. Mesmo assim, carecem de apoio governamental.
Já o esporte, como bem lembra mestre Armando Nogueira, é hoje o maior sorvedouro de verbas publicitárias do mundo. É uma macroindústria em plena expansão. Há muita grana nesse mercado para ser garimpada pelas mais variadas modalidades esportivas, desde que os dirigentes tenham ciência e honestidade.
Num país como o nosso, miserável no essencial (educação, saúde e moradia), que precisa assaltar o bolso do contribuinte com mais um imposto como esse malfadado CPMF para cobrir os déficits da saúde, a criação de mais um imposto (no fim das contas, o incentivo é um imposto, que de uma forma ou de outra sairá do bolso do contribuinte, seja no valor embutido no preço da produto, seja no desconto do imposto, dinheiro que deveria entrar no orçamento do essencial), isso seria, com o perdão da palavra, um escárnio.
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Olha lá, olha lá, como diria o saudoso Geraldo José de Almeida, a Meg depenando mais um galeto no fundo de nossas redes. Deve ser uma reverência ao velho costume dos negros da Geórgia: frango frito.
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Tiba vai, Tiba vem, e o Corinthians continua entalado num atol de incompetências. E o Brasileirão vem chegando...

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