São Paulo, terça-feira, 30 de julho de 1996
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Medo da ortodoxia

CELSO PINTO

Os mercados reagiram bem ao primeiro dia de Roque Fernández como substituto de Domingo Cavallo no comando econômico na Argentina, com a bolsa em alta de 2,8%. A mesma ortodoxia de Fernández que ajudou a acalmar os mercados na transição, contudo, levanta dúvidas em relação ao futuro.
Foram várias as razões para a reação positiva inicial. O presidente Carlos Menem e Fernández garantiram a continuidade da conversibilidade, e choveram declarações favoráveis à troca vindas do Congresso, sindicatos, empresários e mídia.
Fernández aproveitou uma "conference call", reunião telefônica internacional com o mercado, organizada pelo banco americano J.P. Morgan, ontem, para enviar sinais tranquilizadores. Perguntado à exaustão sobre o que faria para acertar a situação fiscal argentina, Fernández insistiu que não tinha soluções mágicas, mas que esperava que o FMI reconsiderasse as metas fixadas com a Argentina.
Ele previu que será possível financiar o déficit fiscal com fontes voluntárias e empréstimos normais de organismos multilaterais. Uma fonte ouviu da equipe do FMI em Washington, ontem, a garantia de que o fundo não será um problema para a nova equipe. A indicação é que o FMI estaria disposto a rever as metas fiscais, que foram ultrapassadas no segundo trimestre deste ano.
A leitura mais otimista do mercado é que a saída de Cavallo eliminou o principal fator de risco na Argentina: saber como seria sua sucessão. Assegurada a continuidade, os investidores mais relutantes poderiam decidir-se em favor da Argentina.
A ortodoxia de Fernández, contudo, levanta algumas dúvidas. Dois economistas argentinos radicados no Brasil, Fábio Giambiagi, do BNDES, e Roberto Iglesias, da CNI, temem que a combinação de ortodoxia e falta de cintura da nova equipe possa levar a problemas.
Iglesias lembra que Fernández, no início do ano passado, quando uma crise bancária ameaçava a estabilidade da economia argentina, foi contra a flexibilização dos depósitos compulsórios defendida por Cavallo. Fernández preferia deixar os bancos mais frágeis quebrarem, e sua desconfiança em relação ao fundo de recuperação dos bancos obrigou Cavallo a transferir para seu ministério a administração do fundo.
Um dos homens de confiança de Fernández, o economista Carlos Rodríguez, foi um dos mentores da experiência ultra-ortodoxa do ex-ministro Martinez de Hóz no início dos anos 80, que acabou em enorme fracasso. Outro assessor, Guillermo Calvo, um economista brilhante, é visto como muito dogmático. Comparados aos três, Cavallo era muito mais flexível e experiente politicamente. Nem por isso conseguiu superar as resistências do Congresso.
Cavallo caiu porque tentou obter mais medidas de ajuste fiscal, cortando subsídios e elevando a receita, a despeito da recessão e do desemprego de 17% em Buenos Aires. Mas qual a importância do desequilíbrio fiscal?
O déficit do primeiro semestre foi de US$ 2,5 bilhões, ou algo em torno de 1% do PIB, e a projeção, aceita de forma geral, é de um déficit ao redor de 2% do PIB no ano, facilmente financiável. É um número que soa como bastante razoável num momento em que a economia está em queda e que, portanto, existe perda da receita. O Brasil, neste ano, com a economia em crescimento, projeta um déficit nominal de 5% do PIB.
O azar dos argentinos é que, ao contrário dos brasileiros, não conseguiram se livrar do ritual dos acordos com o FMI e do forte impacto negativo que qualquer pequeno desvio nas metas provoca. Alguns economistas acham que o principal problema da Argentina, hoje, é conseguir retomar o crescimento, algo que ajudaria a acomodar a própria questão fiscal.
O temor é que Fernández queira aproveitar a boa vontade peronista com a saída de Cavallo para fazer um superajuste fiscal que acabaria agravando os problemas políticos. Não há uma oposição intelectualmente consistente à idéia do câmbio fixo na Argentina, dados os custos imediatos de sair dele. Existem, contudo, diferentes percepções sobre como sair do buraco, e a de Fernández está entre as mais ortodoxas.

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