São Paulo, terça-feira, 30 de julho de 1996
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Caiu do cavalo

LUÍS PAULO ROSENBERG

Ministro não é eleito pelo povo. Seu poder é delegado pelo presidente, exercido por procuração. Portanto, ministro não cai; é demitido ou se demite.
A queda de presidente é intrinsecamente grave. A demissão de ministro, não. Descartável por natureza, deve deixar o palco com a graça de uma bailarina russa sempre que se tornar um fardo para o presidente.
Claro, quando à saída de um ministro da Fazenda austero segue-se a nomeação de um gastador tem-se um problema sério, pelo que a escolha revela sobre a prioridade cambiante do presidente.
A saída de um ministro só é inquietante quando o presidente exerce a liturgia do cargo, mas, na prática, é um bufão substituído no exercício do poder pelo seu superministro, Richelieu nativo e, portanto, autêntico semipresidente.
Essas são proposições acacianas úteis de recordar neste momento de histeria pela demissão de Cavallo, vista pelos de fora como o fim da era de racionalidade na Argentina.
Desde logo, que não se diminuam os méritos do ex-ministro Cavallo. Sólido tecnicamente, uma mula para trabalhar, inflexível nos seus princípios e líder de uma das melhores equipes de economistas do continente. Seu nicho no panteão dos economistas latinos está assegurado, vários metros acima de quase todos os seus pares.
Daí a temer pelo futuro da Argentina por ele ter sido apeado do poder vai uma longa distância.
Em primeiro lugar, Cavallo jamais teve expressão política. Era um técnico e só.
Apesar de toda a sua ambição presidencial, Menem sofreu derrotas inesperadas em Córdoba, território político do Cavallo execrado pelo eleitor, dada sua arrogância e elitismo.
Em segundo lugar, Cavallo jamais exerceu a coordenação política que o Ministério da Fazenda propicia.
Ao contrário dos exemplos de Delfim Netto e Fernando Henrique Cardoso, Cavallo, em vez de absorver tarefas de Menem, exigia do presidente que gastasse seu cacife político aplicando linimento nos hematomas da classe política, produzidos continuamente pelos coices de seu czar da economia.
Em terceiro lugar, a indicação de Roque Fernández para o lugar de Cavallo revela o compromisso irreversível de Menem com o programa de estabilização. Roque é mais ortodoxo do que Cavallo, tendo entrado em atrito com ele várias vezes na defesa de maior austeridade fiscal e monetária.
O novo ministro pode não ter o carisma do seu antecessor, mas tem lastros técnico e doutrinário até mais profundos do que os de Cavallo para assegurar que a lei da paridade fixa do câmbio -esteio do Plano Cavallo- vai ser mantida a qualquer custo.
Na verdade, o presidente argentino cansou-se de ser chantageado pelas constantes ameaças de demissão de um ministro que se desgastou não só lutando por seu plano de estabilização, mas defendendo melhores salários para seus colaboradores e o seu poder pessoal de nomear e demitir, mesmo fora da área econômica. Menem deu-se conta de que é melhor ter burro que o carregue do que cavalo que o derrube.
Portanto, ver similaridades entre o México farsante da desvalorização cambial explosiva recente e a Argentina pós-Cavallo é catastrofismo gratuito.
Se o povo argentino continuar apoiando o primado da estabilização, nada mudará na Argentina apenas porque um símbolo consagrado caiu do cavalo.

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