São Paulo, terça-feira, 30 de julho de 1996
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O corpo chega às galerias

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Contra o dito romântico de que o artista deve escolher entre a arte ou a vida, o sul-africano Bruce Louden ofereceu uma parte de seu corpo: a língua. Louden está fazendo sua "preparação estética para a morte".
O objeto de sua arte radical, arrancado em uma de suas últimas performances, pode ser visto (uma exposição itinerante, com divulgação quase inexistente) em várias e minúsculas galerias do circuito underground europeu de arte.
Para os colecionadores interessados na língua de Louden, ou melhor, em sua obra-de-arte, ela será vendida por um preço que, segundo o próprio artista, é bem menor do que qualquer objeto semelhante no mercado negro de órgãos.
Iniciado em meado dos anos 60, a "body art" surgiu como uma expressão radical da contracultura.
Artistas se crucificavam sobre carros alemães ou enchiam seus corpos com alfinetes a fim de demarcar, politicamente, um território. Uma atitude de oposição ao mercado de arte, aos marchands e ao próprio público.
Hoje, uma geração de herdeiros, como Louden, que há dez anos vem arrancando partes de seu corpo, consegue vender um vídeo com suas exibições por US$ 9 mil.
A maior radicalidade, pensam alguns artistas, não é produzir uma arte sobre o corpo. Mas com o próprio corpo.
Além de Louden, a Europa -especialmente os países do Leste, que só agora têm contato com aqueles que usam o corpo como suporte- recebe também "A Encarnação de Saint Orlan", da francesa Orlan.
A proposta, menos violenta que a mutilação, coloca também o bisturi no lugar do pincel. Orlan se submete a operações plásticas para moldar seu rosto e corpo a fim de ironizar -ou lucrar, atacam alguns críticos- com alguns ícones da história da arte.
Depois de nove operações, seus olhos lembram Monalisa, suas lábios vêm de Rafael e as bochechas de Botticelli.
Para os interessados em sua "intervenção", Orlan oferece, claro, uma performance em vídeo. Seu corpo deitado em uma cama de hospital, médicos ao seu redor executando a operação, enquanto uma voz cita trechos dos seminários do psicanalista Jacques Lacan.
A idéia surgiu de uma emergência. Na década passada, antes de uma de suas performances, que ainda não envolviam retalhos de seu corpo, sentiu dores terríveis no útero e foi obrigada a sofrer uma operação de urgência.
Para não decepcionar sua platéia, conseguiu que o trabalho dos médicos fosse transmitido para o público no auditório. Assim, Orlan acabava de descobrir uma "nova forma" de expressão.
Seu último grande ato, ela prometeu em abril durante uma das palestras que realiza na Inglaterra, será uma operação plástica definitiva. Transformará totalmente seu rosto e, assim, poderá mudar seu nome, se transferir de Paris e conseguir uma "outra e nova vida".
A Inglaterra parece ser o lugar preferido para exibição e comércio dessa nova categoria de artista, que sofre a experiência física para depois vender suas imagens em fitas VHS. Como consequência, o país cria seus performáticos.
As "Gêmeas Wilson" são autoras e artistas de filmes de 16 mm que documentam suas experiências. Em "Hipnotic Suggestion 505", aparecem delirando sob o efeito da hipnose. Nos trabalhos anteriores, foram filmadas sob o efeito de LSD. Experiências com o corpo parecem tão ilimitadas quanto cores para um pintor.

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