São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 1996
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A dívida externa e a 8.666

LUÍS NASSIF

As controvérsias em torno da tentativa de troca de dívida interna por dívida externa -proposta pelo diretor da área internacional do Banco Central, Gustavo Franco- são bastante significativas para ilustrar uma das características atuais da vida pública brasileira.
Em princípio, a operação é favorável ao país. Mas pode dar margem a ganhos devidos ou indevidos por parte de terceiros. Ganham corretoras que necessariamente precisarão intermediar o negócio, e pode haver oscilações de cotações beneficiando investidores que sejam informados antecipadamente das condições da operação.
Não se trata de nenhuma suspeita objetiva, mas apenas de possibilidades presentes em qualquer operação do tipo.
Por conta dessas desconfianças, a operação pode ser abortada. Para se fechar a possibilidade (não a certeza) de ganhos de mil-réis para terceiros, o Estado pode perder milhões.
Depois de séculos de falta de transparência no setor público (e privado), é natural e desejável que se estabeleçam controles sobre ações públicas.
No entanto, ao se pretender segurança máxima, em cima de controles meramente administrativos e burocráticos, monta-se uma parafernália irracional, que está paralisando completamente a administração pública brasileira.
Não é tarefa fácil resolver essa pendência.
A defesa da impessoalidade das decisões de Estado tem que se constituir em valor básico da cultura nacional.
Os exageros que se cometem em torno de quaisquer mil-réis -até de férias de parlamentares- são compreensíveis e fazem parte do processo de amadurecimento da nova ética.
Em culturas anglo-saxônicas, as formas de controle sobre o Estado são mais difusas. Estabelecem-se controles indicativos (estatísticas, abertura de informações etc.) e punições severas. E se permite flexibilidade para uma gestão minimamente racional.
A cultura brasileira é o oposto: controles rigorosíssimos, irracionais até, e quase nenhuma punição.
Burocracia
Tome-se o caso da Lei das Licitações, a 8.666. Para qualquer compra acima de R$ 2.800,00, a estatal é obrigada a enviar proposta a Brasília e preparar licitação, sujeita a toda sorte de impugnações.
Se não houver impugnações, não se completa a operação antes de 40 dias. Se houver impugnação, pode-se levar 18 meses.
Com isso, cercou-se a corrupção? Não necessariamente. Se está nas mãos de qualquer concorrente atrasar durante 18 meses o resultado de uma licitação, o que impediria o aparecimento de uma indústria da impugnação?
Entra-se em uma licitação, mesmo não se tendo a menor condição, e impugna-se o resultado. Como o atraso nos trabalhos custa dinheiro, poderá ser mais barato para os vitoriosos acertar por fora com o impugnador.
Não se está dizendo que todas as impugnações obedecem a essa lógica. Está-se mostrando as brechas que esse tipo de controle burocrático abre para outras formas de corrupção.
A não ser que se pretenda paralisar completamente a administração pública, sem necessariamente instituir-se a virtude, está na hora de proceder a uma discussão clara e racional sobre mecanismos mais modernos de controle do Estado.

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