São Paulo, quinta-feira, 1 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Censura nas artes ensaia volta

Músicos e filme são vítimas

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Dona Solange "Mãos-de-Tesoura", implacável e famosa censora do Regime Militar, deve ter um pouco de inveja dos últimos acontecimentos. A censura está viva e ensaia a sua volta em grande estilo.
As vítimas mais recentes são o rap-fumaça do Planet Hemp, as baladas de heroína do filme inglês "Trainspotting - Sem Limites" e a "nega" do palhaço Tiririca. Os velhos censores aplaudem.
O último diretor efetivo do Departamento de Censura Federal, Coriolano Fagundes, 59, aposentado, acha que a volta da "tesoura" reflete o "clamor" da sociedade contra os abusos cometidos.
O ex-censor, hoje aposentado, evangélico, nunca ouviu Planet Hemp, desconhece "Trainspotting" e só lembra da música "Florentina", de Tiririca.
Mesmo assim acha razões para os seus atuais seguidores. A sua avaliação: o fim do Departamento de Censura, em 1988, deixou as famílias órfãs de mecanismos contra "exageros".
O Planet Hemp (Planeta Maconha, em português) já teve três shows proibidos em menos de um mês -dois em Vitória (ES) e um em Salvador (BA). A alegação da Justiça: a banda incentiva o uso de drogas.
Heroína
O filme "Trainspoitting", com estréia prevista para o próximo dia 16, depende das mãos da Justiça Federal para ir ou não às telas. O julgamento ainda não ocorreu.
O advogado Bension Coslovsky, 58, pediu, por intermédio de uma representação à Procuradoria da República, a busca e apreensão das cópias da fita.
O dublê de "censor" sequer viu o filme. A sua ação é baseada em leitura de textos de jornais. Ele alega que o enredo incentiva e ajuda a difundir o uso de heroína no Brasil."Esse senhor quer trazer de volta a idade das trevas", diz André Sturm, 30, diretor da distribuidora Pandora.
"Cabelos dela"
O porno-mambembe Tiririca, solução de mercado para substituir os "Mamonas Assassinas", sofre a acusação de racismo por uma ONG carioca, o Centro de Articulação das Populações Marginalizadas.
O alvo é uma música que fala do "fedor" e dos cabelos "bombril" de uma negra. A Justiça do Rio ordenou a apreensão dos discos. A gravadora de Tiririca, a Sony, que já vendeu 300 mil cópias, acha um absurdo e luta contra a decisão.
Preocupação
A nova onda de censura tem preocupado o ministro Nelson Jobim, segundo a sua assessoria.
Ele recebeu um apelo direto da ONG para colaborar com a proibição da música de Tiririca. Ignorou o pedido.
Sem entrar na discussão sobre as decisões da Justiça, o teor e qualidade da música de Tiririca, o ministro acha perigoso qualquer ação que lembre os velhos tempos.

Texto Anterior: Neurocirurgião e psicanalista falam sobre dualidade da dor
Próximo Texto: Lei britânica condena blasfêmia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.