São Paulo, quinta-feira, 1 de agosto de 1996
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Gasolina ou álcool?

CELSO ORSINI

Muita gente não acredita que os custos menores dos impactos ambientais do álcool possam compensar as (atuais) vantagens financeiras da gasolina. Esses custos nunca são demonstrados, seja pelas suas dificuldades intrínsecas, seja porque ninguém se preocupa muito com eles, que tradicionalmente são repassados para todo mundo (a famosa privatização dos benefícios com socialização dos custos!).
Como ilustração, avaliemos os custos de dois "populares" impactos ambientais, um urbano e outro global, causados pelos gases CO e CO2 (monóxido e dióxido de carbono), ambos poluentes gerados por carros a álcool e gasolina.
Comecemos pelo CO, cujo impacto (urbano) causa prejuízos aos seres humanos. O custo desse impacto -o CO prejudica o nosso processo respiratório, perturbando a recepção do oxigênio pelo sangue nos alvéolos pulmonares etc.- pode ser obtido dividindo a despesa total (por exemplo, no inverno) do tratamento das vítimas pela quantidade de CO colocada na atmosfera pelos carros.
Seria muito simples, se fossem conhecidas as vítimas, os custos dos tratamentos etc. Isso sem considerar outras complicações, como eventuais casos de mortes, porque o custo da morte é incalculável. De qualquer forma, esse custo é menor para o álcool, que gera apenas 4,6g de CO/km rodado -média para veículos leves novos-, contra 6,06g de CO/km rodado do "gasool" (gasolina com 22% de álcool).
E o impacto global do CO2? Somente os carros a gasolina contribuem para esse impacto: a queima da gasolina corresponde a retirar CO2 do reservatório potencial natural, no subsolo terrestre -armazenado no petróleo-, e lançá-lo à atmosfera, enquanto a queima do álcool simplesmente devolve à atmosfera o CO2 confiscado por ocasião do crescimento da cana-de-açúcar.
Com relação a esse impacto, sabe-se que o CO2 é responsável por cerca de 55% do efeito estufa atmosférico, regulador da temperatura da baixa atmosfera -outros contribuintes em menor escala são os CFCs 11 e 12, com 17%, outros CFCs, com 7%, o metano (CH4), com 15%, NOx (óxidos de nitrogênio), com 6%, e o vapor d'água.
Os veículos automotores são fontes de CO2 menos importantes que as atividades industriais, notadamente das usinas termoelétricas, seguindo-se (5% a 20%) as queimadas de florestas (20% na Amazônia!). No último século e meio, a concentração média de CO2 na baixa atmosfera aumentou cerca de 25%, de 280 a 350 partes por milhão em volume -a quase totalidade desse aumento ocorreu nos últimos 40 anos!-, e há indicações de que ela se manteve constante em todo o milênio anterior.
No último século e meio (melhor ainda, nos últimos 40 anos), a temperatura média global do ar da superfície terrestre cresceu cerca de 0,5°C (não parece muito e está em desacordo com as expectativas das modelagens realizadas, que encontraram 0,5 a 1°C). A situação deve piorar no futuro, com taxa de aquecimento de 0,3°C por década.
Ainda não estão definidas as consequências para o planeta Terra e seus habitantes das variações temporais (aparentemente pequenas) da concentração média do CO2 atmosférico, ou do efeito estufa atmosférico, ou ainda da própria temperatura média global do ar da superfície terrestre.
Decorrerão, ainda, uma ou duas décadas de observações sobre as tendências do clima da Terra antes que as suas relações "sinal-ruído" tornem-se suficientemente claras, mostrando se a sensibilidade climática ao aumento dos gases responsáveis pelo efeito estufa está sendo, ou não, predita corretamente.
Alguém acha possível, com esses dados e informações, estimar os custos dos impactos do CO2? Então, o que fazer? Ignorar tudo isso e optar imediatamente pela gasolina, sem se importar com as eventuais consequências extremamente penosas para as futuras gerações?

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